120 Anos de Hispano Suiza

Em 1904 o sonho do catalão Damian Mateu, de Francisco Seix e do engenheiro suíço Marc Birkigt criou a Hispano Suiza, que rivalizou com a Bugatti e Rolls Royce, mas não sobreviveu à II Guerra Mundial. Agora, a quarta geração do fundador apostou no renascimento deste sonho com superdesportivos 100% elétricos

Hoje, falar de Hispano Suiza começa por nos levar ao mundo novo da motorização elétrica, associada ao passado de requinte e luxo que fez parte do património histórico da indústria automóvel europeia.

Tudo começou no início do século XX, nos tempos da “Belle Époque”. Com a Arte Nova, a Europa ditou as regras de “gosto”, impondo normas comportamentais assentes em padrões estéticos onde a Catalunha de Gaudi foi marcante.

Foram os anos de ouro de construtores de automóveis como a Bugatti, que inspiraram seguidores. A maioria apostou no luxo e no requinte que marcaram esses tempos, mas a Bugatti foi mais longe com propostas hiper-requintadas para quem tinha dinheiro para pagá-las e ofertas ganhadoras para os clientes mais desportivos.

Fez a diferença, mas a sua aposta foi copiada por construtores como a Hispano-Suiza. É sempre assim...

A fundação

A marca criada em Barcelona afirmou-se como um rival à altura dos padrões pré-estabelecidos no domínio da inovação, requinte, luxo e exclusividade e até avançou no campo do desporto com protagonistas como o próprio rei Alfonso XIII. 

Em 1905, o primeiro Hispano Suiza, com um motor de quatro cilindros e 20 cv de potência, era capaz de chegar aos 87 km/h e o rei de Espanha, um aficionado da marca, assumiu em 1910 uma posição acionista de 8% no capital da empresa.

O rei também teve um carro batizado com o seu nome: um desportivo de dois lugares com um motor quatro cilindros de 3 619 cc com 60 cv de potência, capaz de chegar aos 120 km/h, que apesar de se chamar T45, conhecido como Alfonso XIII.

A Hispano Suiza já era um valor real no início da Grande Guerra (1914-1918).

De todos os modelos produzidos ao longo da história, destaca-se o 30-40 HP. Desenvolvido por Birkigt a partir do 20.30 HP, foi comprado pelo marquês de Zayas e carroçado por Francisco Capella, e é um verdadeiro “must” de luxo e requinte. A imponência da forma, os detalhes com as madeiras exóticas e materiais como o marfim e prata, cristais e soluções inovadoras, como cortinas automáticas, marcam o estilo e a exclusividade de um automóvel adquirido em 1988 pelo Governo espanhol como “Bem de Interesse Cultural”, passando a estar patente ao público no museu da “Historia de la Automoción”, em Salamanca.

O mercado francês afirmou-se rapidamente como mais importante do que o que o próprio mercado espanhol, o que levou à criação da Hispano Suiza France, em 1911, em Levallois-Peret, uma fábrica que ampliou a sua produção com uma outra unidade construída em Bois-Colombes, onde foram produzidos os modelos mais requintados da marca.

A Grande Guerra

O início da I Guerra Mundial abalou a Europa e a Hispano Suiza reformulou a sua atividade para produzir motores para aviões.

Sob a direção de Marc Birkigt e do seu companheiro suíço Louis Maussuger, foi criado um bloco V8 em alumínio fácil de produzir, leve e fiável, e com várias inovações como árvore de cames à cabeça (características que poucos motores apresentavam na época), além de uma capacidade militar ímpar, graças a um eixo da hélice, que permitia a regulação com os disparos de um canhão de 37 mm sem necessidade de um mecanismo de sincronização.

A marca vendeu 50 000 destes motores para o Reino Unido, Estados Unidos da América, Itália, Japão e Rússia.

Exclusividade

No pós-Guerra, a Hispano Suiza retomou a produção automóvel para um segmento topo de gama, para compradores com grande poder de compra.

O H6, com um motor de seis cilindros em linha, baseado no V8 aeronáutico, foi uma referência. E a sua lista de clientes não engana. Para além do Rei de Espanha, foi o carro de aristocratas e intelectuais como Gustavo V da Suécia, Carlos II da Roménia, Luís II do Mónaco, Pablo Picasso, André Citroën, Coco Chanel, René Lacoste e até Paul McCartney em tempos mais tardios.

As licenças e as patentes registadas pela Hispano Suiza eram muito procuradas. Durante anos, a Rolls Royce utilizou um sistema de travagem criado pela marca espanhola.

Em 1923 a divisão francesa da marca foi incorporada e tornou-se na “Societé Française Hispano Suiza”. Os espanhóis mantiveram o controlo de 71% do capital, mas a filial dispunha de uma grande autonomia financeira e industrial. Os modelos mais luxuosos, exclusivos e requintados, eram produzidos em Bois-Colombes, em contraste com a construção de automóveis mais baratos, camiões e motores aeronáuticos que saiam das várias fábricas espanholas.

Guerra Civil

Com a Guerra Civil espanhola, em 1936, o Governo republicano “coletivizou” as fábricas da Hispano Suiza e preparou-as para o conflito, dividindo-as em três áreas: motores aeronáuticos e canhões; carros e camiões; ferramentas e máquinas.

Em face disto, em 1937 os franceses tomaram o controlo da subsidiária da Hispano Suiza, que passou a produzir apenas motores de aviões numa altura em que a marca tinha inovado com um V12 refrigerado a água, que se tornou popular na força aérea francesa.

Depois da derrota dos republicanos em Espanha, eclodiu a II Guerra Mundial e os Aliados tiraram partido da tecnologia de armas aeronáuticas da Hispano Suiza, como um canhão automático utilizado por ingleses e americanos.

Ainda no tempo da Guerra na Europa, foi criada a S.I.A.T. (Sociedade Ibérica de Automóveis de Turismo) que utilizou fábricas da Hispano Suiza para criar uma marca-nacional: a SEAT. Paralelamente, em França a autonomia da empresa apontou, com grande sucesso, para a indústria aerospacial.

Peralada

Depois de todo o processo histórico conturbado, a Hispano Suiza sobreviveu num limbo até 2019, altura em que foi recriada pelos bisnetos de Damián Mateo, o fundador da marca.

Nos tempos da nacionalização a família perdeu as instalações industriais, mas conservou a propriedade do nome Hispano Suiza e foi esse património que ajudou a recriar uma nova tradição, que tem as suas raízes no castelo de Peralada, na província catalã de Girona, terra de vinho, notável com a produção de cava (espumante espanhol).

Adquirido em 1923 por Miguel Mateo Pla, filho do fundador da Hispano Suiza com negócios nos vinhos, turismo e casinos, o complexo inclui a fortaleza e um antigo convento carmelita. Tornou-se num centro cultural que organiza um renomado festival internacional de música clássica e criou um centro histórico Hispano Suiza, destinado a promover a história da marca e as suas propostas para o futuro com base no superdesportivo elétrico Carmen, apresentado no Salão Automóvel de Genebra em 2019.

Nascido em Montmeló

O carro foi projetado e construído em Montmeló, numa unidade industrial vizinha do circuito da Catalunha, onde se realizaram os testes de desenvolvimento realizados pelo ex-piloto de F1 Perez-Sala.

O design original foi criado pelo Cero Design, um atelier sediado em Barcelona, aliando linhas originais vanguardistas com soluções retro inspiradas no H6B Dubonnet Xenia, um modelo único produzido em 1938.

A carroçaria monobloco, em carbono, do coupé de dois lugares é formada por 11 painéis e foi fabricada em Montmeló, mas se a procura do modelo o vier a exigir, poderá ser realizada em Itália pela Dallara.

A estrutura do chassis e carroçaria pesa 195 kg.

O sistema de propulsão foi realizado em colaboração com a QEV Technologies. Baseado numa bateria de iões de lítio com 80 kWh e 750 V em forma de “T” colocada na base da plataforma, a bateria produzida pela LG é refrigerada por três radiadores colocados na zona dianteira. Alimenta dois motores elétricos Sincro com 510 cv cada, garantido um total de 1 019 cv de potência combinada.

Variante Boulogne

Em 2021 a Hispano Suiza apresentou a variante Carmen Boulogne, com diversas evoluções estéticas e tecnológicas. Perdeu as coberturas das rodas traseiras do Carmen, que vinham do tempo do H6B Dubonnet Xenia, manteve amplas zonas da carroçaria em fibra de carbono sem pintura e foi anunciado como mais potente e mais rápido. Passou a contar com quatro motores elétricos (um por roda) que garantiam 1 115 cv de potência, uma evolução importante face ao Carmen original.

O funcionamento dos motores é gerido por uma “centralina” eletrónica que permite gerir a velocidade de cada roda para otimizar a inserção em curva.

3,6 MILHÕES DE EUROS É O PREÇO ANUNCIADO PARA O HISPANO SUIZA CARMEN SAGRERA, O MAIS POTENTE DA GAMA. A VERSÃO BOULOGNE CUSTA 2,5 MILHÕES DE EUROS E O ORIGINAL 2,2 MILHÕES

Estão disponíveis três modos de condução: Eco, Sport e Confort. Segundo o fabricante, o Boulogne é mais rápido em aceleração – 2,6 face a 3,0 s de 0 a 100 km/h.

A suspensão é idêntica à do Carmen original – paralelogramos nos dois eixos, com amortecedores reguláveis, mas a capacidade de travagem foi potenciada com discos AP Racing com discos carbocerâmicos de 380 mm e pinças com seis pistões.

Com 4,73 metros de comprimento, 2,04 metros de largura e 1,24 metros de altura (2,80 metros entre-eixos), é um superdesportivo compacto e agressivo.

Evolução Sagrera

Este ano, a Hispano Suiza celebra 120 anos e a data foi marcada pela apresentação da terceira evolução do Carmen. Chama-se Sagrera, uma homenagem à antiga fábrica da marca, construida no bairro catalão do mesmo nome em 1911.

A proposta de 2019 não parou de evoluir e a última versão, a aposta mais desportiva de todas e virada para clientes que gostam de usufruir de “track days”, foi redesenhada na traseira onde se destaca um tão original como volumoso aileron, dividido a meio, tal com as asas de uma cegonha... Este aileron, associado ao desenho do difusor traseiro, foi desenvolvido para dilatar a capacidade de aceleração lateral.

Mas a maior novidade passa pela bateria de 103 kWh, que substituiu a de 80 kWh e permite dilatar a autonomia para 480 Km, num modelo onde a potência máxima para 1 100 cv de potência, com um binário de 1 160 Nm, é capaz de passar de 0 a 100 km/h em 2,6 segundos.

"Cegonha" é imagem de marca

A cegonha é o emblema da Hispano Suiza, marcando o pináculo da grelha frontal dos modelos do passado e dos atuais.

A cegonha foi adotada como um tributo ao piloto francês Georges Guynemer, que liderou uma esquadrilha que ostentava a cegonha como imagem.

Em 1919, no lançamento do Hispano Suiza H6B no Salão Automóvel de Genebra, passou a fazer parte da linguagem de marca, tal como o logotipo que associa a bandeira espanhola e a suíça.

C. Santos representa a Hispano Suiza em Portugal

O Grupo C Santos foi anunciado como o representante da Hispano Suiza em Portugal. Durante a apresentação, os representantes da marca catalã sublinharam a proximidade entre os 120 anos da empresa e os 110 anos da C. Santos em Portugal, como um elo de proximidade. Filipe Baptista da Silva destacou a aposta no mercaod de luxo com a Aston Martin e a Maseati e a nova parceria com a marca da Catalunha.