BMW M2

Texto: Ricardo Machado / Fotografia: Vasco Estrelado
Data: 4 de Janeiro, 2017

Quando se partilha suspensão, travões e elementos do motor com o M4, o resultado só pode ser emocionante. É o mínimo que se pode dizer do mais pequeno e acessível produto da divisão M da BMW. Viciante também se adequa, mas pode parecer mal.

 

Desde o primeiro contacto com o M135i que ficamos com uma irritante sensação de vazio. Era bom, mas não era um M. O motor podia ser bom. A suspensão eficaz. O comportamento convincente. Até a imagem tinha a atitude correta. Mas faltava-lhe aquela componente de emoção tão caraterística dos M. A mesma que se dissolve quando para escrever o nome é preciso utilizar mais do que uma letra e um algarismo.

 

O M235i seguiu pelo mesmo caminho. Divertido, eficaz, bem proporcionado, mas… faltava qualquer coisa. Qualquer coisa como os pistões e a cambota forjada do M3/M4 a trabalhar dentro do bloco de seis cilindros em linha e 2979 cc. A sobrealimentação por turbo de dupla entrada mantém-se, tendo os sistemas de arrefecimento e circulação de óleo sido redesenhados para corresponderem às exigências da condução, ainda mais, desportiva.

 

Já se sente a energia contagiante do M a fazer com que o brilho do 2 ofusque os restantes caracteres do M235i. A imagem trata do resto. Como um adepto de “fitness” a utilizar uma camisola justa para fazer sobressair os músculos trabalhados do tronco, o M2 – já não há dúvida – não esconde o trabalho de ginásio. Um alargamento de vias, 58 mm à frente e 58 mm atrás, bem notório e necessário para alojar a suspensão com componentes em alumínio do M3/M4. A transferência foi integral, incluindo o sub-chassis traseiro aparafusado diretamente ao chassis para limitar ainda mais os movimentos laterais da carroçaria. O sistema de travagem seguiu o mesmo caminho, com discos perfurados e ventilados em material compósito com 380 mm de diâmetro à frente e 370 mm atrás. O conjunto fica completo com a mais recente evolução do diferencial ativo M. Bastam 150 milissegundos para passar de totalmente aberto a bloqueado.

COEFICIENTE DE DIVERSÃO ELEVADO

Parece um clone do M4 a uma escala ligeiramente reduzida. Uma imagem onde não encontramos nada de errado. Pelo contrário. Não podíamos ser mais a favor de uma solução que, igualando o coeficiente de diversão do M4, custa menos 32 mil euros. A potência é inferior, naturalmente. Menos 61 CV. No entanto, como é cerca de um palmo mais curto, 20 cm, tem uma relação peso/potência semelhante: 4,1 kg/CV contra 3,7 kg/CV do M4.

 

Nada que assuste os 370 CV do M2. Na verdade, ao contrário do que os números oficiais sugerem, o M2 é um décimo de segundo mais rápido no arranque até aos 100 km/h, quando devia ser dois décimos mais lento. Comparado com o M235i, que realiza o mesmo exercício em 5,5 segundos, a vantagem dilata para os 0,7 segundos. É preciso prolongar a comparação virtual com o M4 por um quilómetro para os 431 CV do irmão mais velho recuperarem terreno. O M4 regista 22,8 segundos no quilómetro de arranque, contra 23,5 do M2. O M235i não baixa dos 24,1 segundos.

Concluída a aula teórica, passamos para a prática. E se por fora o M2 é todo músculo e atitude, por dentro é… um BMW Série 2. Tem a sua dose de “M” cuidadosamente aplicada em locais específicos, como o volante ou o seletor da caixa de velocidades e chega. Chega porque basta pressionar o botão de arranque para ficar imediatamente com pele de galinha. Como um reflexo condicionado pela experiência de condução de outros M, o disparo inicial do motor ativa instantaneamente o modo Sport+ interno. A pulsação dispara, acompanhando o regime acelerado do motor a aquecer, os sentidos ficam mais despertos, a mão direita procura instintivamente a correspondente patilha por trás do volante… mas tem de baixar até ao seletor da caixa. No volante só se engrenam mudanças para a frente e à nossa frente está uma parede.

 

As manobras para sair do estacionamento evidenciam a falta de coordenação da caixa de dupla embraiagem M DCT nas passagens de primeira para marcha atrás. Há um escorregar da embraiagem, enquanto a eletrónica processa a ordem, que resulta num salto para trás quando esta agarra. Uma questão de feitio à qual não se pode escapar, uma vez que, ao contrário da maioria dos mercados onde é comercializado com caixa manual, em Portugal o M2 está disponível apenas com a M DCT de sete velocidades.

 

Uma combinação de bancos com almofadas muito densas e um tablier relativamente baixo cria uma sensação de altura enganadora. A posição de condução não é alta, mas parece, tal é o campo de visão que oferece ao condutor. Inicialmente duros, até um pouco desconfortáveis e sem grande apoio lateral, os bancos vão-se moldando à fisionomia dos ocupantes. O processo é natural e tão rápido que só nos voltamos a lembrar dos bancos em plena serra, quando reconhecemos o conforto e o apoio que, inicialmente, não tinham.

COMBINAÇÃO EXPLOSIVA

Optando pelo modo Confort, o M2 pode ser tão civilizado como qualquer outro Série 2. O motor desliga-se nos semáforos, a suspensão digere a maioria das irregularidades e a caixa antecipa as passagens em nome da eficiência. Naturalmente que a média de 7,9 l/100 km não passa de uma referência. O consumo real sobe para os 11,3 l/100 km. Nada de extraordinário. Significa apenas que a autonomia ronda os 460 km. Distância que facilmente cai para metade com a combinação explosiva de modo Sport+, estrada de serra e condutor inspirado.

Na verdade, é preciso estar sob o efeito de calmantes para não ficar inspirado com o M2. Mesmo a caminho da serra. Sem pressas.

A energia é contagiante. Ecoando por todo o habitáculo, pleno de notas graves e metálicas, o som do escape marca o ritmo da condução, convidando a acelerar mais e mais. No meio do êxtase provocado pelas explosões resultantes das reduções e alívios rápidos do acelerador, fomos surpreendidos por uma resposta mastigada do motor.

Em condução tranquila não se nota. Disponíveis num planalto que se estende das 1400 às 5600 rpm, os 465 Nm de binário, 500 Nm em overboost, asseguram a progressividade da resposta. Só quando a condução se torna séria é que percebemos que o brilhantismo do seis em linha acima das 4000 rpm não tem correspondência abaixo deste patamar. Está longe de ser lento, recupera de 40 km/h a 90 km/h em 2,5 segundos, só não tem é a mesma resposta instantânea ao mais pequeno movimento de acelerador.

 

SEMPRE A FUNDO!

É esta vontade enorme de andar para a frente que torna o M2 absolutamente viciante. Desligue-se a eletrónica e esmague-se o acelerador e as rodas traseiras vão patinar em segunda e, dependendo do piso, em terceira. Atrasar as passagens de caixa até às 7000 rpm é bom para alinhar os discos da coluna, tal é a intensidade dos pontapés nas costas daí resultantes. Já a patilha esquerda do volante não produz resultados tão impressionantes. Já conduzimos versões desta caixa M DCT bem mais rápidas a reduzir. Sem chegar a ser mais eficiente em modo automático, como acontece com as transmissões AMG, convida a antecipar o movimento da mão esquerda para não ficar “pendurado” à saída da curva ou entrar demasiado solto.

Com o acumular de quilómetros apanhamos o jeito à caixa e as curvas entraram numa nova dimensão. A capacidade de aderência da frente parece não conhecer limites. Desde que não se exagere na velocidade, atrasar a travagem provoca um movimento de rotação que ajuda a manter a trajetória. O equilíbrio perfeito do chassis convida a aproveitar esta inércia para desenhar o final da curva. E é aqui que o M2 se distingue do M4.

 

PRECISÃO CIRÚRGICA

O chassis do M4 é tão equilibrado e previsível como o do M2. O problema está no motor, que é muito mais selvagem. A sensação de andar no fio da navalha do irmão mais velho é substituída no M2 por uma precisão cirúrgica. O acelerador é que manda. Primeiro, força os Michelin Pilot Super Sport a perder aderência. O que não é fácil. Depois, depende da inspiração. Um alívio recupera a aderência. Uma aceleração constante mantem a traseira numa deriva controlada. A eletrónica do modo Sport+ é suficientemente permissiva para deixar passar estas brincadeiras sem se intrometer.

Para maiores floreados é preciso desligar tudo. O trabalho de braços é mais exigente, mas como chassis, direção e motor são tão comunicativos e fáceis de interpretar, nunca se perde a sensação de controlo. Limitando os movimentos da carroçaria reduzem-se as transferências de massas, o que significa que as derivas de traseira são tão fáceis de terminar como de provocar. Um processo que se repete curva, após curva, após curva…

Manter o coeficiente de diversão elevado exige um domínio perfeito da velocidade. Aqui, a exemplo do que acontece com a caixa, é preciso aprender a utilizar os travões. Mesmo com discos ventilados e perfurados, estes aquecem muito rapidamente. Não chegam a perder eficácia, mas ganham a sensibilidade de uma pedra. Logo, é melhor acertar com a travagem à primeira, porque depois não vai dar para corrigir.

O M3 é, e vai continuar a ser, um ícone entre os desportivos da BMW. Mesmo que agora se chame M4. No entanto, pelo grau de interatividade e acessibilidade, a popularidade do M2 é bem capaz de rivalizar com a do irmão mais velho. Anda praticamente o mesmo e troca a força bruta do motor por controlo e progressividade. E ainda por cima é mais barato.

 

Ensaio publicado na Revista Turbo 417, de junho de 2016