Se um SUV pode ser desportivo, não há razão para que não possa ser um coupé. Soa a conversa de marketing. Parece mesmo despropositado perante silhuetas avantajadas, com mais de 4,9 metros de comprimento, 1,7 metros de altura e 2,2 toneladas. E no entanto… em 2002 a Porsche ousou fazer um SUV. O Cayenne redefiniu o conceito, estabelecendo o padrão para o que se passou a intitular SUV desportivo.
A ideia de que um SUV também podia ser um coupé demorou mais algum tempo a ser “vendida”. O primeiro construtor a comprar o conceito foi a BMW, que lançou em 2014 o X6, versão do X5 com linha de tejadilho em queda pronunciada para a traseira. Em pouco mais de quatro anos, o SUV coupé passou de carroçaria disruptiva a tendência entre construtores premium.
A mais recente proposta para este segmento exibe na grelha os quatro anéis da Audi. Batizada Q8, assenta sobre a arquitetura modular MLB Evo do Grupo VW, comum ao Audi Q7 e ao Porsche Cayenne. Optando por um design exterior relativamente conservador, mais próximo do Range Rover Sport que do Mercedes GLE Coupé, o Q8 apresenta-se como uma variante mais baixa e plantada do Q7. Uma opção de estilo para quem não precisa dos sete lugares, mas não prescinde do conforto.
Viva o digital!
Sentar atrás de um volante Audi ou Porsche é garantia de encontrar uma posição de condução irrepreensível. Banco, coluna de direção, comandos, painel de instrumentos… tudo se alinha e ajusta para nos integrar no automóvel, estreitando a ligação entre máquina e estrada.
Há diferenças subtis na sensibilidade, mas as mais óbvias saltam à vista mesmo com os SUV parados. Audi e Porsche abraçam com entusiasmo a nova era digital, trocando quase sem contemplações os comandos físicos pelos equivalentes digitais. Escrevemos “quase” porque a Porsche ainda mantém alguns comandos manuais.
Maioritariamente atalhos para menus, cujosconteúdos têm de ser acedidos no generoso ecrã ao centro do tablier. Uma solução elegante, que funciona tão bem no Cayenne como no Panamera.
Ao melhor estilo Porsche, o painel de instrumentos é dominado por um taquímetro analógico, flanqueado por ecrãs digitais, controlados a partir dos correspondentes lados do volante.
A qualidade e o estilo do Porsche parecem-nos irrepreensíveis. Até entrarmos no Audi. Quanto à qualidade não há nada a dizer. O estilo é que já não parece assim tão moderno. Inspirado no Audi A8, o Q8 recebe o condutor com um trio de ecrãs. Virtual Cockpit à frente e, sobrepostos à direita, um par de ecrãs táteis. No superior controla-se o entretenimento, a comunicação e a navegação. O inferior ocupa-se da climatização, podendo transformar-se numa ardósia digital para escrever moradas, nomes ou números de telefone.
Apesar de respirar elegância e sofisticação, a profusão de lacados no interior do Q8 coloca o condutor perante um dilema: usar sempre luvas ou manter à mão toalhetes para remover as inevitáveis dedadas. A segunda opção colide com a tendência dos veículos premium, o Porsche não se escapa, para acharem que os condutores não transportam pequenos objetos e por isso não precisam de locais para os guardar na consola central. Pelo menos as bolsas das portas recebem garrafas de 1,5 litros.
Só diesel ou só gasolina
Não deixa de ser curioso que, numa altura em que a Porsche descarta as motorizações Diesel, o único Audi Q8 disponível seja o 50 TDI. Por outras palavras, um V6 a gasóleo com três litros, 286 cv e 600 Nm de binário. Tem rede elétrica de 48 V para suavizar o funcionamento do start/stop do motor, mas não se livra da sonoridade caraterística Diesel.
Esta faz-se notar com mais evidência nos arranques e em cidade, desaparecendo quase por completo com o motor em velocidade de cruzeiro. Apesar do coeficiente aerodinâmico elevado, o isolamento acústico é de referência. As portas sem moldura, únicas no segmento, são imunes aos ruídos provocados pela deslocação de ar, o que é notável.
Sem motores Diesel no alinhamento, o Cayenne mais poupado, se este pode ser um argumento de vendas para um Porsche, é o E-Hybrid. Utiliza o sistema híbrido que conhecemos do Panamera, combinando os esforços de um V6 3.0 de 340 cv com um motor elétrico de 136 cv, para desenvolver um total combinado de 462 cv e 700 Nm. Muita potência e muito binário, servidos com a promessa de consumos médios de 3,2 l/100 km. É possível, mas não realista.
A bateria de iões de lítio 14,1 kWh garante 50 km de autonomia em modo EV. Chega para a maioria das deslocações quotidianas, desde que se disponha de Wallbox para restabelecer a carga da bateria em duas horas e meia. Caso contrário são oito horas ligado a uma tomada normal.
Como não tínhamos acesso a estas opções e a ficha para ligar aos postos da rede Mobi.e é opcional e não figurava entre os 28 extras que equipavam a nossa unidade, registámos uma média um pouco mais elevada. Parece muito, 11,2 l/100 km, mas tendo em conta que se trata de um SUV Porsche a gasolina até nem é nada de especial. Ao lado, o Audi Q8 50 TDI é mais realista. Anuncia uma média ponderada de 6,6 l/100 km e gasta na realidade 8,4 l/100 km.
Entre os motores e os sistemas de tração integral permanente, ambos utilizam caixas automáticas de oito velocidades. Os escalonamentos são curtos e muito próximos até à quinta velocidade. As três últimas relações do Q8 são ligeiramente mais longas, ajudando a controlar os consumos. Para manter o controlo sobre os movimentos da carroçaria, os dois SUV utilizam suspensões pneumáticas. Na Audi faz parte do pacote desportivo S line (7595 €) e na Porsche pode ser adquirida em separado (2208 €). Entre os opcionais obrigatórios não podia faltar o eixo traseiro direcional, que na Audi custa 1370 € e na Porsche 2208 €.
Em cidade e nas voltas do dia-a-dia, não há grandes diferenças entre os dois SUV. São ambos confortáveis e figuram entre as melhores opções para enfrentar a temível calçada portuguesa. Curiosamente, apesar de ambos recorrerem ao amortecimento pneumático e montarem jantes de 21’’, o Porsche consegue ser ligeiramente mais confortável. A suspensão do Audi é mais sensível às vibrações provocadas pelos pneus 285/45, do que a do Cayenne às reações das borrachas 285/40 que monta à frente e 315/35 atrás.
Trocando a cidade pela serra, as diferenças avolumam-se. No melhor estilo turbodiesel, o V6 do Q8 dá tudo no regime médio, ali entre as 2000 e as 4000 rpm. A caixa faz uma gestão razoável do motor, mas o acelerador pouco preciso, sem capacidade de reação no limite, realça o temperamento descontraído do Q8. No entanto, com o eixo traseiro direcional, mostra-se mais ágil do que as formas avantajadas possam sugerir. Como não tem acelerador reativo, limita-se a passar rápido em curva, sempre muito neutro, com a suspensão a contrariar as oscilações laterais, sem surpreender na capacidade de resposta.
Desequilíbrio positivo
O Cayenne é um Porsche, o que é garantia de bom envolvimento dinâmico. Sente-se logo na direção, sempre mais pesada e comunicativa. A corrida contra o cronómetro também lhe é favorável, com cinco segundos no sprint até aos 100 km/h, contra 6,3 segundos do Audi. À maior disponibilidade do motor, junta um acelerador mais preciso. Com a estrada a secar, no limiar da patinagem artística, transforma o som arrastado da frente a escorregar num animado patinar de traseira.
Onde o Q8 é sempre muito neutro, o Cayenne é muito mais interativo. Mesmo sob uma morrinha insistente, desliza com segurança e elegância pelas mesmas curvas onde o Audi lutou pela aderência, sobrepondo a eficácia e o conforto ao prazer de condução. Como acontece com muitos híbridos, o Cayenne E-Hybrid sofre de falta de precisão no pedal da esquerda. O travão tem um toque pesado e difícil de modular nos pequenos ajustes, mas nada que o tempo e a convivência não ultrapassem.
Como autênticos SUV, para mais equipados com suspensões pneumáticas que permitem variar a altura ao solo, Audi Q8 e Porsche Cayenne dispõem de programas de condução fora de estrada. Há bloqueios do diferencial central e ajudas eletrónicas para progredir nos terrenos mais variados. No entanto, da mesma forma que não esperamos encontrá-los num track day só porque são ágeis e relativamente rápidos em curva, também não os devemos ver a escalar um corta-fogo só porque podem. Na verdade, o local mais provável para encontrar o Audi Q8 50 TDI ou o Porsche Cayenne E-Hybrid é no trânsito ou num cenário elegante como o Tivoli Palácio de Seteais, onde foram recolhidas as imagens que acompanham este trabalho.
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Grandes, confortáveis e construídos sobre a mesma arquitetura base, Audi Q8 e Porsche Cayenne são tão parecidos como diferentes. O Porsche tem o mérito de conseguir ser mais confortável sem perder a garra que o transformou numa referência em comportamento desportivo. Como é híbrido ainda consegue benefícios fiscais que o tornam cerca de 15 mil euros mais barato. Jogando com o fator novidade, o Q8 tem a seu favor uma imagem requintada. As janelas sem moldura, o cuidado interior, o espaço para as pernas… é um SUV que merece ser vivido com calma, sem pressas. Até porque vai precisar de algum tempo para se habituar a toda a tecnologia que coloca ao dispor do condutor.
A Turbo agradece a colaboração do Tivoli Palácio de Seteais
Audi Q8 50 TDI quattro
Preço 111 074 €
Motor V6; 2967 CC; 286 CV/ 3500-4000 RPM
Binário 700 Nm/2250-3250 RPM
Rel. Peso/potência 7,8 CV/kg
Transmissão Integral; 8 VEL. Auto
Peso 2220 KG
Comp./Larg./Alt. 4,99/2/1,71 M
Distância entre eixos 3 M
Mala 605/1755 L
Desempenho 6,3 s 0-100 KM/H; 245 KM/H VEL. MÁX.
Consumo 6,6 (8,4*) l/100 KM
Emissões CO2 172 G/KM (CLASSE F)
IUC 627,47 €
Porsche Cayenne E-Hybrid
Preço 97 771 €
Motor V6; 2995 CC; 340 CV/ 5300-6400 RPM
Binário 450 Nm/1340-5300 RPM
Motor elétrico 136 cv/400 Nm
Potência/Binário combinados 462 cv/700 Nm
Rel. Peso/potência 5,1 CV/kg
Transmissão Integral; 8 Vel. Auto
Peso 2370 KG
Comp./Larg./Alt. 4,92/1,98/1,70 M
Distância entre eixos 2,90 M
Mala 645/1610 L
Desempenho 5 s 0-100 KM/H; 253 KM/H VEL. MÁX.
Consumo 3,2 (11,4*) l/100 KM
Emissões CO2 72 G/KM (CLASSE A)
IUC 524,26 €