O Fator italiano

Texto: Ricardo Machado / Fotografia: Vasco Estrelado
Data: 24 de Junho, 2017

A hegemonia alemã entre os SUV compactos com posicionamento premium tem uma nova ameaça. Vem de Itália, chama-se Stelvio e tem o DNA da Alfa Romeo. Adivinha-se um verão bem quente…

Serpenteando ao longo de 20 km, a passagem alpina de Stelvio escala os Alpes Orientais, na zona do Tirol do Sul. São mais de 75 curvas fechadas, que desafiam as máquinas e até os pilotos mais experimentados. São, naturalmente, palco de eleição para desportivos e gran turismo como o Alfa Romeo Giulia. O facto de a Alfa a ter escolhido para apadrinhar o seu primeiro SUV demonstra confiança no produto. Não é caso para menos. Afinal partilha a plataforma e a linha de montagem com o Giulia. Uma herança genética ao alcance de muito poucos.

Uma herança que se vê da grelha dianteira ao portão traseiro e não tem nada de errado. Pelo contrário, traz o fator novidade, com um pouco do charme italiano, a um palco onde os atores principais são demasiado parecidos uns com os outros. Basta observar as imagens. BMW X4 e Mercedes GLC Coupé parecem separados à nascença e nem a elegância do Audi Q5 consegue competir com o rasgo do Alfa Romeo Stelvio.

Apesar de ser decisiva para a primeira impressão, a imagem não é tudo. Daí a Alfa Romeo ter estendido a partilha de componentes com o Giulia muito para além da grelha dianteira e das óticas. Cresceu em torno da plataforma Giorgio, denominação interna para o programa Giulia/Stelvio, apenas com um investimento superior na suspensão para compensar os 140 mm a mais de altura ao solo. O esquema dianteiro de duplos triângulos e o multilink traseiro, com quatro braços e meio denominado Alfalink, mantêm-se inalterados. No entanto, como é necessário dominar um centro de gravidade mais elevado, mantendo um controlo firme das inclinações e movimentos laterais da carroçaria, os amortecedores são específicos.

CARBONO E ALUMÍNIO

Sempre com o controlo do peso na mira, não é fácil homologar um SUV compacto com 1660 kg quando os rivais ultrapassam os 1800 kg, a Alfa Romeo não olhou a meios na produção do Stelvio. Ao alumínio do capot e das cinco portas, junta um veio de transmissão em carbono. Os motores também contam com cabeça e bloco no mesmo material. Entre os presentes só o BMW X4 xDrive20d utiliza a mesma construção. Audi Q5 2.0 TDI e Mercedes GLC Coupé 250 d combinam bloco em ferro com cabeça em alumínio. Exclusiva do Stelvio, de todos e não apenas deste 2.0 a gasolina de 280 CV, a centralização das massas posiciona o bloco de quatro cilindros imediatamente atrás do eixo dianteiro. Do motor, o binário chega ao sistema de tração integral Q4 exclusivamente por intermédio de uma caixa automática de oito velocidades de origem ZF.

O BMW X4 partilha a proveniência e o número de relações da transmissão, o Mercedes GLC Coupé acrescenta uma velocidade e o Audi Q5 utiliza a caixa de dupla embraiagem e sete velocidades S tronic.

Em defesa do comportamento desportivo, o sistema de tração integral Q4, desenhado à medida da Alfa Romeo, mantém a tração traseira até a falta de aderência desviar até metade da força para o eixo dianteiro. BMW e Mercedes também privilegiam o eixo traseiro, mas a tração integral permanente não atinge o nível de envolvência do Q4. O conhecido quattro da Audi é o mais neutro do grupo, o que não significa que seja menos eficiente. Apenas menos envolvente na condução.

Ainda no campo da interatividade, a Alfa Romeo arriscou ao apostar numa direção com o rácio mais direto do segmento. A informação que transmite não é muita, o que acaba por ficar em linha com um segmento tradicionalmente desligado da estrada, mas é tão rápida que se torna nervosa. Com uma desmultiplicação de 12:1, quando os rivais variam entre os 15,1:1 do Mercedes GLC Coupé e os 16,4:1 do BMW X4, a direção do Stelvio torna-se demasiado direta para o que estamos habituados num SUV. Não há como evitar uma série de pequenas correções que se propagam pela suspensão elevada, criando um constante ondular em entrada e autoestrada. Em estradas secundárias percorridas a ritmo elevado faz todo o sentido, ajudando a encolher os 4,69 metros de Stelvio.

 

COMPACTO SÓ DE NOME

Quando se fala de SUVs, o tamanho conta. Neste campo, o Alfa Romeo está na média, entre os 4,66 m do Audi e os 4,73 m do Mercedes. Essencial para a definição do espaço interior, a distância entre eixos segue a mesma linha entre os 2,81 m do X4 e os 2,87 m do GLC Coupé. Parece haver um acordo entre os construtores quanto ao túnel central volumoso, à

homologação do banco traseiro para três passageiros, ao rebatimento das costas 40:20:40 e ao piso plano daí resultante. Com 525 litros de capacidade, a bagageira perde apenas para os 550 l do Audi Q5. Como se espera de dignos representantes deste segmento, o acesso é amplo e automatizado.

 

A qualidade é a nota dominante dos quatro habitáculos. Por representar uma grande evolução face ao que conhecemos de Alfa Romeo de outras épocas, o Stelvio é o que mais impressiona. Audi, BMW e Mercedes, cada um com a sua abordagem, mais sofisticada, desportiva ou clássica, partilham um patamar de refinamento ao qual a marca italiana podia apenas ambicionar. Com o Stelvio a Alfa Romeo aproxima-se dos alemães, sem complicar, com um desenho limpo e a inspiração do Giulia. Ecrã de 8,8’’ ao cento da consola, painel de instrumentos com os dois mostradores redondos típicos da Alfa e o volante do Giulia com as grandes patilhas em alumínio para o modo sequencial da caixa fixas na coluna direção. Simples e eficaz.

Para nos recordar que estamos a bordo de um SUV, a posição de condução não só é 190 mm mais elevada que a do Giulia, como deixa os joelhos bem fletidos. Os alemães disfarçam melhor esta condição SUV com posições de condução mais encaixadas e maior amplitude de regulações para bancos e coluna de direção. Depende das opções e dos níveis de equipamento, mas o apoio dos bancos do Audi Q5 não tinha rival.

DIESEL OU GASOLINA

Atendendo à alma desportiva do Alfa Romeo, escolhemos para este primeiro contacto o motor 2.0 a gasolina de 280 CV. Enquanto não chega o V6 de 510 CV, com origem Ferrari, do Giulia Quadrifoglio, é o motor mais potente do Stelvio, com um preço de 65 000€. Um posicionamento ambicioso, que o coloca entre os mais caros, ultrapassado apenas pelos 65 510€ do BMW X4 xDrive 28i, de 245 CV. O Audi Q5 2.0 TFSI de 252 CV fica-se pelos 61 250€, enquanto o Mercedes GLC Coupé 350 e, com 320 CV mais 116 CV, não vai além dos 63 300€.

No entanto, como em tantos outros segmentos, o diesel é rei entre os SUV compactos e entre estas motorizações os planos invertem-se. Os 57 200€ do Stelvio 2.2 diesel de 210 CV são imbatíveis. O X4 20d, de 190 CV é o que mais se aproxima (59 292€), seguido por um empate técnico entre o GLC 250 d, com 204 CV (61 450 €) e o Q5 2.0 TDI de 190 CV (61 530€). Foram estas versões mais populares que compuseram o comité de boas vindas ao Stelvio.

A este ritmo, a concorrência não tem andamento para o Stelvio. E não é por terem motores diesel. É porque, apesar de serem rápidos e eficientes, não atingem os níveis de equilíbrio e envolvimento do Alfa Romeo. Sendo mais pesados, sofrem mais para não alargar trajetórias e falta-lhes a agilidade do eixo traseiro do Stelvio.

Apesar de todo o entusiasmo, o Stelvio não deixa de ser um SUV. A suspensão, que não é influenciada pelo seletor de modos de condução DNA, parece firme no quotidiano, apenas para amolecer nas travagens fortes. Uma transferência de massas inevitável que pode ser explorada com o acelerador para ajudar a traseira a rodar. Fruto do posicionamento recuado do motor em relação ao eixo, o Stelvio tem uma frente obediente e com pouca vontade de alargar trajetórias. Embora a linha seja fácil de manter, as pequenas correções devem ser feitas com delicadeza. Nestas situações, a direção direta vira-se contra o Stelvio transmitindo para a carroçaria o nervosismo e os movimentos bruscos. A caixa é rápida, convidando a utilizar as patilhas da coluna de direção, cujo toque é bem melhor que o do seletor da consola central, parecido com um joystick sem sensibilidade. Já os travões, apesar de aquecerem rapidamente, não perdem totalmente a sensibilidade, limitando-se a fumegar e a aumentar gradualmente a distância de travagem.

Pouco ou nada há a acrescentar quanto aos consumos comedidos e à energia nos regimes médios nos diesel. Já no gasolina é tudo novidade. Tem o mesmo binário de 400 Nm do Audi e do BMW, neste caso complementados por 280 CV, mas uma maior sede de rotação. Muito dependente do turbo, o bloco de quatro cilindros não tem grande alma abaixo das 3000 rpm, regime a partir do qual dispara com gosto. No entanto é uma animação breve pois, embora chegue com facilidade às 6000 rpm, perde nitidamente fulgor a partir das 5000 rpm. Apesar de ter sido remasterizado por músicos, o escape não surpreende. Pelo contrário, tem uma sonoridade artificial e pouco envolvente. É tão pouco espetacular que, na rua, mais do que uma vez nos perguntaram se era a gasolina ou gasóleo. Curiosamente, é preciso estar na rua para ouvir a única altura em que o Stelvio mostra a sua raça: aceleração a fundo. Nesta situação, o sopro do turbo mistura-se com as explosões do motor e percebe-se que há ali garra. Uma garra que lança o Alfa Romeo até aos 100 km/h em 5,7 segundos e fixa o limite eletrónico da velocidade nos 230 km/h.

O Stelvio pode não ter o nível de interatividade de um Porsche Macan, que continua a ser a referência do segmento, mas está mais perto deste que os três concorrentes alemães. Atendendo a que o objetivo da Alfa era criar um SUV desportivo, não temos dúvidas de que o concretizou à primeira. O preço do gasolina não é muito competitivo mas o diesel arrasa a concorrência, com níveis de equipamento comparáveis. Quando a qualidade e o refinamento estão mais próximos dos padrões superiores do segmento, só nos resta esperar pelo diesel para um confronto mais direto e, claro, pelo Quadrifoglio de 510 CV.