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TEORIA DE GHOSN – Renault Talisman

Texto: António Amorim / Fotografia: José Bispo
Data: 14 de Janeiro, 2017

Renault Talisman Initiale Paris DCI 160 TWIN TURBO EDC6

A Renault volta à carga no segmento premium, agora com nova teoria. Atraente como nenhum outro grande Renault, o Talisman tem boa condução e muito conforto para oferecer

Meio século dá para aprender muito. Especialmente com os erros. A Renault passou por isso nas suas sucessivas abordagens aos segmentos mais elevados do mercado. Renault 16, 30, 25, Safrane, VelSatis, Avantime… Vai alta a pilha de estilhaços do choque frontal contra a maciça imagem de marca dos tubarões alemães. A solução talvez esteja na abordagem “offset”. Um bocadinho ao lado. Isso mesmo deu para depreender de um comentário do presidente Carlos Ghosn durante a apresentação estática: “Este carro entra num segmento onde a Renault nunca esteve!” Pois. Não é um substituto direto do Laguna. Primeiro porque é grande. Muito grande. São 4,84 metros de carro, mais 15 cm que o Laguna. Depois porque tem quatro portas quando o Laguna tinha cinco. “E entra num segmento que é um desafio de imagem e um desafio económico”, acrescenta Ghosn.

Com efeito, embora “suba na vida”, o Talisman não encareceu, pelo menos na versão de acesso Energy dCi 110 Zen, que custa 32 370 euros, valor comparável ao do último Laguna 1.5 dCi de 110 CV. O outro aspeto, porventura decisivo, em que o Talisman se desvia do passado é o design. Inspirado no novo Espace, com o qual partilha a plataforma, mostra agora as feições de família que a marca sempre teve tanta dificuldade em afirmar (cada geração do Laguna podia ter sido desenhada por uma marca diferente).

Com longos traços LED, acompanhados por finos e reluzentes cromados na grelha, o Talisman afirma estatuto, travando mais olhares do que qualquer outro grande Renault. A longa distância entre eixos e as grandes rodas de 19 polegadas compõem-lhe as proporções. É maciço, equilibrado. Há nele uma certa germanização visual que o coloca como um concorrente muito mais direto (e sério) para o Passat do que a Volkswagen alguma vez possa ter imaginado. Os detalhes distintivos desta versão Initiale Paris, então, ficam-lhe a matar. Mas elevam-lhe o preço para lá da teoria de Ghosn. Nos 47 mil euros, fica acima de qualquer Passat, exceto das versões de tração integral para as quais não tem resposta técnica (e por cá nem precisa). E acima da maioria dos Peugeot 508 (mesmo o 2.0 BlueHDi GT Line), e acima de qualquer Insignia (excepto o OPC, claro…). Mas tem uma mala (609 litros) maior que a de um A6, de um Série 7 ou de um Classe E. E tem suspensão pilotada, programações de chassis, bancos com massagem, comandos por voz…

CONFORTO, CONFORTO, CONFORTO

Lá dentro encontramos o melhor habitáculo jamais feito pela Renault. O banco do condutor recua para facilitar o acesso e volta a avançar quando se fecha a porta. Não há regulação elétrica do volante. Não existe a opulência de qualidade dos alemães, mas há requinte. Uma outra forma de nivelar por cima, que chama a atenção para os detalhes que não acompanham: a almofada central do volante num desagradável plástico, tão duro quanto as zonas mais escondidas do tablier e consola; o comando do rádio tipo haste do volante, conhecido de há várias gerações do Clio (e num plástico não muito melhor); o pequeno ecrã de instrumentos apenas parcialmente digital, e cujo mostrador central tem de se dividir entre velocímetro no modo Eco ou conta-rotações nos restantes modos.

Apesar da imediata posição de condução e do ambiente sóbrio em que se viaja à frente, os quase cinco metros de comprimento exterior não têm o esperado efeito na habitabilidade traseira, onde este grande Renault nem fica perto do referencial Skoda Superb, de idênticas proporções exteriores. Convém mesmo que quem se senta atrás tenha de encolher as pernas no momento de recuo automático do banco do condutor. Mesmo assim, o Talisman fica a milhas de distância do Laguna (e do Superb) na qualidade do acolhimento interior.

Bem insonorizado e suave no pisar da suspensão, garante conforto elevado nos bons bancos forrados a couro e com excelentes encostos de cabeça reguláveis. O sistema áudio Bose com 13 altifalantes foi especificamente afinado para este habitáculo e é de série.

GERAÇÃO DIGITAL

Integrado com o infotainment R-Link2, o ecrã tátil de 8,7 polegadas que domina a consola central reúne todas as funções de bordo, algumas delas replicadas nos botões do volante ou no comando rotativo colocado entre os bancos. As operações não são de apreensão imediata e há poucos botões de atalho, mas a habituação acaba por revelar as imensas possibilidades do sistema na variedade de configurações e grafismos de instrumentação, detalhes de afinação da climatização automática e massagens dos bancos, ou na integração das mesmas entre si. É possível, por exemplo, associar um determinado tipo de padrão de massagem a um determinado modo da programação do chassis Multi Sense, de forma que, quando escolhemos o Comfort, comece uma massagem mais suave, por exemplo. E quando mexemos nas regulações do banco, surge de imediato no ecrã tátil a possibilidade de as memorizar com um só toque. É também possível visualizar uma troca de estação de rádio no ecrã sem sair do sistema de navegação.

A verdade é que, embora inicialmente confuso por força das inúmeras funcionalidades envolvidas, o R-link2 tem uma abordagem diferente do habitual que traz consigo diversas vantagens práticas. Nele se concentra também a configuração do vasto leque de equipamentos de assistência à condução, sendo possível (e fácil) afinar ou recolher o head-up display e mexer na sensibilidade e intensidade dos avisos sonoros dos sensores de estacionamento, dos avisos de mudança de via, do alerta de aproximação ao carro da frente (com travagem autónoma de emergência). Há também imensas possibilidades de cores e intensidades para a iluminação ambiente e até para simulações digitais do som do motor.

AGILIDADE DE CARRO PEQUENO

Mesmo nos modos de condução mais inofensivos (Eco, Comfort ou Neutral), o Talisman parece que encolhe quando começa a andar. Grande parte desta agilidade é-nos proporcionada pelas rodas traseiras direcionais 4Control. Nas manobras e curvas fechadas a baixa velocidade estas viram até 3,5 graus na direção oposta às dianteiras. Nas velocidades mais elevadas passam a virar até 1,9 graus no mesmo sentido das da frente, o que coloca o Talisman no carril e melhora imenso a sua eficácia. A este delicioso efeito de aparente encolhimento o carro associa uma suspensão que absorve com solidez mas sem dureza e uma resposta do dCi 160, o primeiro motor 1.6 diesel com dupla sobrealimentação, que chega bem para uma condução despachada mas sem quaisquer aspirações desportivas.

A caixa automática de seis velocidades EDC com dupla embraiagem, a única associada a este motor, explora devidamente os 380 Nm de binário disponíveis a partir das 1750 rpm, mas é o segundo turbo muito pequeno (a entrar primeiro que a turbina de maiores dimensões) que permite a boa saída do dCi 160 logo às 1250 rpm, quando já há 265 Nm debaixo do pedal. Ainda assim, uma pisadela menos contida no acelerador ou a seleção dos programas mais desportivos leva a caixa a reduzir e a explorar rotações elevadas (com aumento do ruído e consumos), sem ganhos óbvios na performance.

No modo Sport os 1518 kg deste Talisman (mais 118 kg que um Passat 2.0 TDi de 150 CV) demoraram connosco 11,5 segundos a atingir os 100 km/h. Mas não precisou de mais do que 9,2 segundos para recuperar dos 40 aos 100 km/h, este sim, um exercício demonstrativo da elasticidade dinâmica deste motor. Cheio de informação relativa à média de consumo e à maior ou menor disciplina do condutor neste capítulo, o programa Eco permite médias de 4,3 litros aos cem na melhor das hipóteses.

Conduzindo o Talisman em percurso misto, neste programa, os 6,7 litros aos cem são o valor mais frequentemente exibido no computador de bordo. Sem deslumbrar em várias matérias, o Talisman resulta, no entanto, fortíssimo em três vertentes decisivas: conforto, sofisticação tecnológica e aparência. O objetivo de Ghosn, de fazer um carro cheio de “bien-être” e capaz de conquistar compradores pelo coração, arrisca-se a ser atingido.