Seis Ferrari dos grandes momentos

É o mais potente, o mais rápido e o mais caro Ferrari de estrada jamais produzido e foi criado para assinalar os 80 anos da marca de Maranello. É o mais recente de uma “coleção” que tem a responsabilidade de celebrar os grandes momentos. E, por isso mesmo, não será o último

Chama-se F80 e é o sexto supercarro construído pela Ferrari nos últimos 40 anos, uma história que começou com o 288 GTO produzido entre 1984 e 1987 e que inclui os F40 e F50 (que marcaram aniversários da marca), o Enzo e o LaFerrari, um conjunto de modelos que alimentou paixões junto de todos os que gostam de automóveis e mostraram/anteciparam tendências.

Até hoje, estas séries especiais e exclusivas – que representam 2928 vendas de superdesportivos – raramente saíram das garagens dos seus proprietários. O número até pode parecer modesto a nível industrial, mas é fenomenal no campo comercial. Estes modelos são, antes de mais, um investimento para guardar numa garagem assética, sob temperaturas controladas, à espera que a sua cotação venha a aumentar.

Um troféu

É por isso que qualquer destes supercarros, especialmente os de uma marca com o historial da Ferrari, começa por ser um “troféu” para o comprador. A Ferrari faz questão de banir potenciais clientes e eleger outros.

Desta feita são apenas 799 os devotos que tiveram o privilégio de poder pagar 3,6 milhões de euros (sem os impostos nacionais) para se tornarem proprietários de um modelo que leva ao superlativo a tecnologia em nome das performances.

Deixando de lado os exemplares únicos produzidos por encomenda (os chamados “one-off”), nenhum Ferrari custou tão caro como o F80. Mas a este nível o preço é irrelevante. A Ferrari tem mais clientes potenciais para um carro de 3,6 milhões, do que os modelos que pretende produzir e, por isso, dá-se ao luxo de restringir a um convite seu quem considera como “digno” proprietário de um Ferrari diferenciado.

Por isso, é necessário bastante mais do que ter muito dinheiro para poder comprar um superdesportivo da marca de Maranello. Manter a procura acima da oferta é o segredo do sucesso comercial.

Para poucos

O sexto elemento da família dos supercarros da Ferrari terá 799 unidades, um número bastante superior a todos os outros já produzidos, salvo o F40 que atingiu as 1311 unidades, um número que contrasta com os 272 GTO vendidos, ou mesmo com os 499 LaFerrari produzidos. Esta decisão mostra a confiança da Ferrari no mercado, onde diz já ter clientes para todos os F80 anunciados.

A marca de Maranello é exímia em tirar partido da exclusividade e, se os supercarros são uma cíclica fonte de rendimento há 40 anos, a exclusividade continua a ser um bom negócio, com séries muito limitadas como evoluções de modelos do seu catálogo (812 Competizione) ou os da série Icona - Monza SP1 e SP2 ou o Daytona SP3.

Tecnologia da competição

Tal como o 499 P que ganhou as duas últimas edições das 24 Horas de La Mans e disputa o Campeonato do Mundo de Endurance (WEC), o F80 conta com uma motorização híbrida MGU-K, combinando um motor 3.0 litros V6 capaz de oferecer uns impressionantes 900 cv de potência, tendo acoplada uma caixa automática F1 de oito velocidades, com dupla embraiagem, dilatados com os 300 cv fornecidos por três motores elétricos (800 V) – dois no eixo dianteiro e um no trem traseiro no sistema e-4WD.

Os motores dianteiros contribuem com 142 cv cada e o pequeno motor traseiro (81 cv) tem três funções: arranque do motor térmico, recuperar a energia para recarregar a bateria de 28 kWh e auxiliar o binário do motor em certas circunstâncias, podendo garantir até 70 kW (95cv) ao motor térmico.

Muitos dos componentes do sistema foram desenvolvidos com base no projeto do Campeonato do Mundo de Endurance (WEC), como sejam a arquitetura, o cárter, as correntes de transmissão e o sistema de sincronização, as recuperações da bomba de óleo, os rolamentos, os injetores e as bombas GDI. A transferência do universo da competição para este superdesportivo de estrada não se fica por aqui.

O conceito MGU-K tem origem na F1, com motores elétricos semelhantes aos utilizados nos monolugares para gerar potência, utilizando o excesso de energia cinética das turbinas, por sua vez criada pela energia térmica emitida pelos gases de escape, graças ao desenvolvimento específico do e-turbo. Em alguns aspetos, pode dizer-se que os engenheiros da Ferrari foram mais longe no F80 do que no 499 P de Le Mans, libertos dos condicionalismos dos regulamentos técnico/desportivos que condicionam os carros destinados à competição.

1200 CV - como uma bala

A utilização de três motores elétricos e a tração 4x4 foi uma aposta da Ferrari “para garantir um comportamento ágil e estável em todas as circunstâncias”. É um carro para ser utilizado em estrada.

A marca destaca a capacidade de regeneração de energia cinética em travagem e a eficácia dos motores elétricos na redução do tempo de resposta dos turbos do motor V6, que também permitem recuperar parte da energia dos gases de escape, quando ele é excedentário.

Deste modo, a Ferrari anuncia uma potência de 1200 cv, que contrasta com os (meros) 680 cv do 499 P vencedor em Le Mans e até com os 1020 cv que (diz-se...) debitam os F1 de Charles Leclerc e Carlos Sainz Jr.

Tudo isto se traduz em performances fora do comum. Chegar aos 350 km/h já é impressionante, mas passar de 0 a 100 km/h em 2,15 segundos ou atingir os 250 km/h em 5,75 segundos são valores tão importantes como a capacidade de travagem. A Ferrari reivindica ser possível passar de 100 a 0 km/h em 28 metros e deter o F80 em 98 metros, rodando a 200 km/h.

Mais, mais e mais... em tudo

Em 40 anos, os supercarros da Ferrari mostram um pouco da evolução da tecnologia automóvel e das opções de vanguarda que marcaram a indústria. Basta recordar que em 1984 o 288 GTB foi tão marcante pela inovação como o F80 de hoje, mas o seu motor 3.0 V8 Turbo que (apenas) oferecia 400 cv deixou meio mundo de boca aberta.

Os anos correram, as tendências mudaram e chegámos a 2013 com o até aqui maior ícone da Ferrari. O LaFerrari inovou a todos os títulos, desde o nome até à tecnologia e o seu motor 6.3 V12 eletrificado serviu para afirmar a aposta dos italianos nas novas tecnologias. Mas o tempo passou e uma década depois o F80 segue novos caminhos.

Face aos 963 cv do LaFerrari mais inspirado na F1, o F80, mais associado ao WEC, oferece 1 200 cv de potência, afirmando-se como o Ferrari de estrada mais potente da história.

É referido como o herdeiro do LaFerrari, mas muito mudou na ideia e no conceito do último superdesportivo da Ferrari. Os 930 cv do motor 6.3 V12 do LaFerrari “sabem a pouco” face aos 1 200 cv do F80 híbrido, que é um carro grande, nos seus 4,84 metros de comprimento, mais 140 mm do que o LaFerrari. Também é um pouco mais largo (2 060 mm) e mais baixo (1 136 mm).

A Ferrari admite que os designers e os engenheiros colaboraram a um nível superior ao habitual, num trabalho de equipa que envolveu os técnicos da aerodinâmica para garantirem resultados pouco comuns aos que são habituais na indústria automóvel.

Downforce recorde

A carroçaria em fibra de carbono é inédita com tecnologia importada dos autoclaves da F1. A aerodinâmica é um dos trunfos do F80. O “spoiler” anterior móvel, o extrator traseiro, a asa posterior e a condução dos fluidos sob o veículo, permitem à Ferrari reivindicar 1050 kg de “downforce” vertical, a 250 km/h.

O trabalho realizado por designers e técnicos de aerodinâmica conduziu a um modelo que, podendo ser visto como a evolução da forma de novos conceitos já enunciados no Daytona SP3, aponta para a imagem dos Ferrari do futuro, como aconteceu com todos os superdesportivos já produzidos. É uma nova era de estilo com uma outra linguagem que alia a pesquisa aeroespacial com a competição automóvel.

O design do chassis parte de muito carbono e de uma estrutura autoportante com uma suspensão ativa comandada por quatro motores elétricos de 48 V, que faz variar cada amortecedor “inbord” de forma ativa.

Habitáculo ou cockpit?

Num Ferrari, o lugar do condutor é sempre privilegiado e a tradição não se alterou. O habitáculo foi inspirado na F1, num processo decisório que envolveu engenheiros, designers e ergonomistas, um grupo de pessoas que procurou sublimar o carácter desportivo, mas também a imagem da marca. O resultado é um espaço virado para o condutor, criando uma envolvência tipo “cockpit”.

O banco do “passageiro” está colocado ligeiramente mais atrás, para garantir uma melhor repartição de massas num automóvel que não foi feito para ser utilizado todos os dias. Mesmo assim, a Ferrari lançou uma proposta curiosa a este nível. Chama-se “Genuine Maintenance” e garante um programa de assistência em intervalos de 20 mil quilómetros ou uma vez por ano para os clientes da marca.