Mercedes SLR McLaren: colheita vintage

Os Mercedes SLR são icónicos. Marcaram o ritmo da competição em 1955 e a sigla foi recriada para sublinhar uma parceria com a McLaren que foi além da competição

Tenho dúvidas que um automóvel com 20 anos possa ser considerado um “clássico”, mas tenho a certeza do interesse histórico do Mercedes SLR McLaren. É um super-carro inspirado no passado, de onde recuperou a sigla (ver em separado) e uma montra de tecnologia do seu tempo, mas também um exemplo da parceria dos alemães da Mercedes com os britânicos da McLaren para regressar à F1. Depois de um “namoro” com a Sauber em 1994, na sequência da bem-sucedida ligação no Campeonato do Mundo de Sport Protótipos nos anos anteriores, o casamento da Mercedes com a McLaren (divorciada da Peugeot) foi assumido como um projeto de futuro, mas começou como uma relação a três: os ingleses desenvolviam o chassis e a Mercedes dava o nome aos motores produzidos pelos americanos da Ilmor Engeneering, comprada em 1993 para dar origem à High Performance Engines. Foi a base para a criação de todos os blocos – radicalmente diversos – que chegaram até hoje, um longo caminho que começou nos V10, passou pelos V8 e chegou aos atuais V6 híbridos.

A estratégia da Mercedes para o regresso à F1 estava bem definida e a apresentação do “concept” Vision SLR no Salão Automóvel de Detroit em 1999 prova-o. Inspirado nos “Silver Arrows” dos anos 50, tornou-se mais relevante com a vitória de Mika Hakkinen (McLaren-Mercedes) face à Ferrari de Michael Schumacher na corrida para o título de pilotos. Talvez tenha sido o grande impulso que levou à apresentação do SLR McLaren no Salão de Frankfurt em 2003.

Era um Mercedes, mas foi projetado, desenvolvido e produzido pela McLaren numa parceria tecnológica e económica, que levou a Mercedes a controlar 40% do capital da McLaren. E isso justifica o nome: Mercedes SLR McLaren. A proposta não esqueceu a tradição do “Gullwing” (asas de gaivota) dos anos 50, evidente nas portas que, graças a um botão, passaram a erguer-se na vertical, como asas de borboleta.

O habitáculo era claramente Mercedes, mas também tinha tudo a ver com um super-desportivo. As longarinas altas, o túnel da transmissão de grandes dimensões e o volante em posição recuada dificultam a acessibilidade, mostrando que este não era um automóvel normal, tanto mais que o condutor foi colocado lá para trás, para permitir ao motor recuar (numa posição central/dianteira) e garantir a melhor repartição de massas num grande desportivo de motor dianteiro.

Muito equipamento

Optou por uma estrutura monocoque em carbono, a exemplo do que aconteceu com modelos como o Ferrari Enzo ou o Porsche Carrera GT, mas não era um super-desportivo anorético. Não privou os seus clientes de um nível de equipamento que a maioria dos seus concorrentes não ofereceu, para reduzir o peso. No SLR McLaren, tudo o que se poderia querer, estava lá: bancos, retrovisores e volante com regulação elétrica, sistema de navegação, leitor de CD’s com carregador, telefone, cruise control, e por aí fora... Por isso, o Mercedes SLR McLaren é “pesado”, mas os seus 1768 kg são facilmente digeridos pelos 626 cv do motor 5.5 V8 equipado com um compressor volumétrico. Com um binário máximo de 780 Nm que está disponível de uma forma constante entre as 3250 e as 5000 rpm, permite uma condução normal, mesmo em estradas de piso degradado onde a suspensão reage bem.

Logo que o motor é solicitado, o seu ronco rouco mostra que sob o capot há uma fera adormecida, capaz de projetar o SLR McLaren até aos 334 km/h, deixando o condutor esmagado contra as costas do seu banco. As acelerações são muito rápidas. Em 3,8 segundos atingem-se os 100 km/h, só são necessários 10,6 segundos para chegar aos 200 km/h e em 28,8 segundos o velocímetro marca 300 km/h.

Equipado com uma caixa automática de cinco velocidades, que também pode ser utilizada de forma manual com comandos no volante, o condutor pode optar por três modos de funcionamento: “Sport”, “Supersport” e “Race”, por ordem crescente de performances.

Aerodinâmica apurada

Para manter o SLR McLaren colado à estrada, a McLaren trabalhou muito ao nível do “pacote” aerodinâmico. As saídas de escape atrás das rodas dianteiras, a exemplo do que acontecia no passado, deixou limpa a base do chassis, desenhando um “fundo plano” como o utilizado nos monolugares de F1, que permite que o ar que circula sob o coupé seja canalizado para seis difusores posteriores, garantindo o efeito de solo. Ao mesmo tempo, a pequena asa traseira pode elevar-se e assumir uma inclinação de 10º, garantindo 80 kg de força sobre o eixo traseiro, quando a velocidade aumenta. De igual modo, em travagens fortes, a inclinação chega aos 30º, podendo atingir os 65º em situações de limite, garantindo 85 kg de downforce, o que funciona como um travão aerodinâmico. No SLR McLaren tudo está pensado para garantir performances de outro mundo. Contudo, quanto mais depressa se anda, mais importante é a travagem.

A McLaren apostou em travões que atuam por impulsos elétricos. Garantiu a eficácia, mas abriu mão da sensibilidade, sobretudo a frio e em baixa velocidade. Depressa, tudo é diferente. Com os travões de disco cerâmicos na temperatura ideal, em 35 metros é possível passar de 100 a zero km/h. O SBC (Sensotronic Brake Control) é de série. Por isso, o SLR McLaren alia o ABS, o auxílio de travagem de emergência e o apoio na travagem em curva. Cada roda atua independentemente, de acordo com as exigências do momento.

O Mercedes SLR McLaren é um super-desportivo soberbo. Pode não ser o mais leve, o mais rápido ou o mais emocionante, mas para quem já o conduziu (e nós tivemos essa oportunidade) é o mais equipado, mais confortável e mais fácil de guiar.

É também, e por isso, o mais seguro, já que neste campo a McLaren aproveitou o longo nariz para colocar à frente do radiador dianteiro uma estrutura deformável, feita de cones, capazes de absorver energia em caso de acidente. Foi uma solução original na época. Por isso, este coupé é visto como um super-desportivo diferente. É certo que não é tão exclusivo como os seus concorrentes diretos, mas garante uma imagem de requinte, luxo e assegura o prazer de condução.

2157 exemplares

A produção dos SLR McLaren nas (então) novas instalações de Woking, paredes meias com o espaço da F1, durou sete anos. Foram produzidos 2157 exemplares, incluindo séries especiais como o 722 “Edition”, apresentado em 2006 para recordar o triunfo de Stirling Moss/Dennis Jenkinson, nas 1000 Miglia de 1955.

O apuro da mecânica passou pela suspensão e pelas performances de um motor que ofereceu 641 cv. No ano seguinte, a McLaren propôs o roadster, com 626 cv de potência, e reivindicou uma velocidade máxima de 334 km/h. Mas o aumento de peso, exigido pela otimização da rigidez estrutural, condicionou as suas performances.

O roadster Stirling Moss surgiu em 2009 e é o mais radical dos SLR McLaren. Desenhado pelo coreano Yoon Il-hun com a definição interior do holandês Sarkis Benilyan, é o derradeiro exemplo da parceria entre a McLaren e a Mercedes.

Novos caminhos

Em 2009 os alemães decidiram tomar as rédeas da sua presença na F1 e as relações alteraram-se. A McLaren, ainda liderada por Ron Dennis, imaginou um caminho semelhante ao da Ferrari no pós-Guerra: produzir automóveis de elevadas performances para rentabilizar a sua atividade desportiva. Construiu uma nova fábrica em Woking e começou a produzir carros de Grande Turismo, para rivalizar com a Ferrari, enquanto a Mercedes comprou a recém-criada Brawn F1 e partiu para uma senda de sucessos própria.

Para trás ficaram quatro títulos mundiais na F1: construtores em 1998 e pilotos em 1998, 1999 com Mika Hakkinen e em 2008 com Lewis Hamilton.

A Mercedes continuou a fornecer os motores de F1 (versão cliente) que a McLaren utilizou até 2014, depois de recomprar os 40% de capital que era detido pela Mercedes. Honda e Renault foram as alternativas encontradas pela McLaren antes de a equipa de Woking retomar a ligação com a Mercedes em 2021.

O Mercedes SLR de 1955

O Mercedes SLR de 1955 era o expoente máximo da sua geração e dois dos nove chassis produzidos para o coupé de competição foram reconvertidos em roadsters

A sigla Mercedes SLR tem tudo a ver com a competição. Em 1955, o W196 S foi desenvolvido para o Campeonato do Mundo de Sport e a sigla não fazia segredo da estratégia: SLR equivalia a “Sport, Leicht, Rennen”, que significava uma versão de competição leve, com um motor “especial”. Apesar das semelhanças com o W194 de 1952 e com o icónico 300 SL Gullwing, não tinha muito a ver com nenhum deles. Foi realizado com o objetivo de potenciar o motor 2.5 de oito cilindros em linha utilizado na F1 (1954 e 1955), dilatando a sua cilindrada para 3.0 litros para potenciar a competitividade dos projetos de Rudolf Uhlenhaut.

Para a história ficou a soberba vitória de Stirling Moss nas Mille Miglia de 1955, à média de 157,650 km/h, ao fim de 990 km. Nas seis corridas em que alinhou, o SLR venceu cinco, antes do terrível acidente nas 24 Horas de Le Mans que levou a marca a abandonar a competição a nível oficial, quando os alemães eram imbatíveis.

Depois, foi necessário esperar muito tempo para esquecer o trauma que marcou a Europa dos automóveis. No início dos anos 90, a parceria com a Sauber no Grupo C evoluiu no caminho dos títulos e abriu portas ao regresso à F1. A aposta inicial foi tímida, com o fornecimento de motores. Depois foi a grande aposta com a compra da Brawn F1, um passo para a Mercedes F1, que conhecemos hoje.