Provavelmente, já sabe que a BMW começou por produzir motores de avião e que assim se explica a hélice azul e branca que é o símbolo da marca. O que talvez lhe tenha escapado é que o seu primeiro automóvel, o Dixi de 1928, não passava de um britânico Austin Seven produzido sob licença… O Museu BMW, junto à sede em Munique, explica-lhe tudo.
A BMW encara a arquitetura como uma forma de expressão. Isso fica bem patente na sede da marca, a um par de quilómetros da cidade olímpica em Munique, com quatro cilindros majestosamente suspensos numa torre central a comporem um dos edifícios mais insólitos associados à indústria automóvel. As formas e o cinzento metalizado desta enorme estrutura dão-lhe uma aparência técnica e vanguardista, mesmo passadas quatro décadas desde a sua criação, mas a construção mesmo a seu lado é algo desconcertante e, ainda a recuperar de uma cansativa viagem de moto batida a chuva e vento, os meus olhos mais não veem do que uma gigantesca tijela de cereais ali deixada por Golias… Trata-se do antigo museu da BMW, também criado na década de 70 e reconvertido em 2007 numa das alas do novo museu da marca, destinando-se agora a acolher exibições especiais – por estes dias, dedica-se à história da Rolls Royce.
QUEM DIRIA…
A cidade está recheada de pontos de interesse e, a julgar pela afluência de visitantes, o museu da BMW parece ser um deles. Boa parte da exposição fica no subsolo e é um jogo de rampas ligadas por ângulos rectos que me leva aos confins da história da marca, involuntariamente acompanhado do mais temido e diabólico grupo de turistas à face da Terra: japoneses de terceira idade. Estão todos de câmaras de fotografar em riste – aparentemente, ainda não confiam esta tarefa aos smartphones – e param em frente à fantástica instalação artística dinâmica que abre a visita, barrando o caminho enquanto escutam atentamente a explicação da guia. Vou furando educadamente esta parede humana, com uma pisadela aqui e um “excuse me” ali, e entro num compartimento que explica os primórdios da marca como fabricante de motores de aviação que serviram na Primeira Guerra Mundial e a forte ligação ao mundo das duas rodas.
Lá mais ao fundo, quase que me escapa um dos passos industriais mais significativos para a BMW: o Dixi 3/15 PS foi o primeiro automóvel da marca e não passava de um Austin Seven produzido sob licença. Rolls Royce e Mini fazem parte do seu império, a Land Rover já foi sua e ainda fez os possíveis por manter a Rover à tona; está visto que a BMW tem um fraquinho por marcas britânicas e quero acreditar que algum desse fascínio está relacionado com o Dixi.
VIAGEM CRUZADA
Recantos, salinhas, mezzanines, passagens dissimuladas e outras artimanhas arquitetónicas aguçam a curiosidade dos visitantes ao longo da descida, ao mesmo tempo que lhes testam o sentido de orientação – por vezes, dá a sensação de que podemos perder-nos ou, pelo menos, perder parte da exibição… Os raios de sol não são bem-vindos neste ambiente de vidro fosco e metal polido, porque o controlo da iluminação é vital para acentuar a aparência levitante de muitas das peças aqui expostas, sejam elas carros ou motos.
Ainda que haja a preocupação de explicar as origens da marca logo no início da visita, esta não se trata de uma viagem cronologicamente arrumadinha. É antes a exploração de uma enorme gruta que alberga três edifícios, cada um deles com o seu tema: Marca, Tecnologia e Desportos Motorizados. As rampas levam-me, aqui e ali, a tocar cada uma das vertentes, pelo que num momento estou a babar para cima do Brabham BT 52 com que Piquet arrecadou o primeiro campeonato de F1 para um monolugar turbo, quando minutos antes estava a apreciar a estrutura desnudada de um M6 E63 pendurada numa parede – na altura, não fiquei fã deste dragster alemão com motor V10 de 500 CV, mas há que dar valor ao extenso trabalho de aligeiramento levado a cabo. E o discurso histórico é de uma franqueza desarmante, como quando é referido o papel do fabricante na Segunda Guerra Mundial e se admite que “iria passar muito tempo até que a BMW assumisse a responsabilidade e a culpa”.
FORA DA NORMA
A importância do espólio fotográfico fica bem à vista na sala onde repousa a maquete em barro do atual Série 3. Centenas de imagens relatam o processo de desenvolvimento estilístico de diversos modelos da BMW, com o controverso Chris Bangle a aparecer em muitas delas. Guardo na memória aquela em que surge equipado de motociclista, enquanto avalia diferentes propostas das equipas de design em pleno parque de estacionamento, mais parecendo a versão moderna do barbudo Xerife do Faroeste que faz sempre valer a sua lei.
Aqui, o génio artístico sobrepõe-se à usual filosofia de disposição de um museu, o que acaba por ser refrescante e mais apelativo para o público que não presta tanta atenção aos automóveis. É possível que o aficionado sinta a falta do usual percurso cronológico, mas as caras-metade irão apreciar a leveza e a informalidade com que o museu da BMW revela os seus conteúdos. E quando estiver tudo visto, é só servir-se da passagem aérea para o BMW Welt – o mega centro de exposições fica mesmo do outro lado da rua – e marcar um test-drive a um dos modelos da marca, enquanto se delicia com a especialidade da casa: o bolo de chocolate.
Artigo publicado na Revista Turbo nº 397, de outubro de 2014
TEXTO: FLÁVIO SERRA EM MUNIQUE