F1 em Portugal em 2027: Como cumprir uma promessa?

A Fórmula 1 vai voltar a Portugal, ao circuito de Portimão, em 2027, como prometeu Luís Montenegro? Nunca se diga nunca! Mas que as condições a cumprir deixam várias questões no ar, disso não há dúvida.

Podia ser uma grande e agradável notícia para os milhares de apaixonados pelo desporto automóvel, e pela Fórmula 1 em Portugal, não tivesse todo o ar de “manobra de diversão”.

Quando o líder do PSD e Primeiro-Ministro anunciou, na festa do Pontal, que tinha “tudo pronto para formalizar o regresso da Fórmula 1 ao Algarve em 2027”, não só atirou ao ar um foguete cujo prazo de validade devia já ter expirado, como o fraco fogacho não conseguiu distrair a maior parte das pessoas dos problemas com que o País se debate.

Nem é preciso ir ao caldeirão permanente das redes sociais, basta ver os comentários das notícias dos meios de informação tidos como de referência.

O Governo vê como bom e prioritário investimento pagar pelo menos 30 milhões de euros de “bilhete de entrada”, mais uma larga verba para as despesas restantes (logística, manutenção da pista, segurança, infraestrutura, pessoal, etc.), para receber como retorno direto os impostos sobre o consumo e dar um (muito bom, diga-se) retorno indireto aos operadores turísticos? Porque a Liberty arrecada, além da “tarifa”, a publicidade na pista, direitos comerciais e praticamente toda a bilheteira.

Será, neste momento em que a imagem de Portugal está em alta no mercado internacional, a sua promoção por via de um Grande Prémio tão decisiva? E como se conseguirá encaixar num calendário a “rebentar pelas costuras” e com mais candidatos a “bater à porta”?

Comecemos por recordar que a Fórmula 1 esteve em Portimão nos anos de 2020 e 2021 (duas vitórias de Lewis Hamilton, num Mercedes) essencialmente porque vivíamos os tempos da pandemia.

A Liberty Media, quem manda comercialmente na disciplina, necessitava desesperadamente de pôr um Mundial de pé quando todos os países ainda lhe fechavam as portas e fez um simpático desconto na “fatura” para Portugal poder matar saudades da F1 que recebera em 1996 pela última vez.

Voltada a normalidade, os preços voltaram ao normal (ou até mais altos) e o Governo da altura não acompanhou verbas consideradas exageradas.

Quanto custa ter um Grande Prémio de F1?

Quando falamos de verbas exageradas, de que estamos exatamente a falar? O exemplo mais recente que temos é mesmo aqui ao nosso lado…

No próximo ano haverá duas corridas de F1 em Espanha, pois Barcelona tem contrato até 2026 e a Liberty assinou um compromisso para Madrid estrear a sua pista citadina no mesmo ano, passando a receber, a partir daí, o G.P. de Espanha.

O trunfo? Madrid pagará 48 milhões de euros por ano, durante dez anos, enquanto Barcelona pagava menos de 21,5 milhões anuais…

Mas digamos que o Governo português consegue fazer a coisa “mais baratinha” (quanto à razão já lá iremos…). Neste momento, a pista europeia com a tarifa mais baixa é o Red Bull Ring (contrato até 2030, 21,5 milhões/ano), mas é quase obrigatório ir à casa de uma das empresas (se não a empresa) que mais dinheiro injeta na F1.

O Mónaco (que é o Mónaco) renovou o contrato até 2031 a pagar 27,4 milhões de euros por ano. Silverstone prolongou, no ano passado, o contrato para receber o G.P. da Grã-Bretanha até 2034 pagando anualmente 34,7 milhões de euros, mais 5,8 milhões que no contrato anterior! E tem o simbolismo de ser o “berço” onde o Mundial de F1 nasceu há 75 anos…

Poderia ser a corrida mais cara da Europa, não fosse a bizarra geografia da F1 colocar o Azerbaijão no Velho Continente. E a prova de Baku (cujo contrato termina em 2026) é a que mais paga em todo o Mundial, 48,7 milhões de euros anuais! Não deve ser este lugar que Montenegro que ocupar no calendário da F1 de 2027. Esperemos…

O Azerbaijão paga mais que a Arábia Saudita ou Catar (47 milhões), China (42,4), Bahrain (38,4) ou Abu Dhabi (32,9). Nas contas não entram Miami ou Las Vegas, em que a Liberty é co-promotor. A Hungria renovou o contrato até 2032 e passou a pagar 34,2 milhões anuais, além das profundas obras que teve de fazer no Hungaroring.

Arranjar um "buraco" no mundial

É difícil pensar que um eventual regresso da F1 a Portugal tenha um preço inferior ao que o Mónaco paga, ou até semelhante a uma corrida que, sendo antecipadamente aborrecida, é fundamental para as equipas em termos promocionais e de negócio. Só isso aguenta o Principado no Mundial.

Podemos, pois, apontar para os 30 milhões de euros como uma fasquia realista… por defeito para Portugal poder sonhar com uma corrida de F1 no Autódromo Internacional do Algarve.

Vamos, então, partir do princípio que o Governo não olha a despesas e está disposto a gastar o que for preciso para avançar com o que considera ser um investimento prioritário. Há que encaixar a prova num calendário que – promessa feita pela Liberty às equipas, no início da época de 2024 – não terá mais de 24 corridas.

Em 2027 haverá dois “buracos” evidentes no calendário, face a 2026: já não haverá duas corridas em Espanha; os Países Baixos anunciaram no ano passado que Zandvoort terá o último Grande Prémio no próximo ano. Quem se alinha… além da anunciada novidade de Portugal?

Há muito que é conhecido o desejo da Liberty de fazer regressar a F1 a África, único continente que não integra o Mundial. O circuito de Kyalami (que recebeu 20 provas, até 1993) está recuperado e a África do Sul parece cada vez mais próxima de regressar, podendo assinar um contrato por dez anos, a partir de 2027.

Mas também Marrocos já fez saber do seu interesse e, por estranho que possa parecer aos mais distraídos, o Ruanda está apostado em ter um Grande Prémio de Fórmula 1… e bem colocado! Kigali, capital do país, acolheu a última gala da FIA e o presidente do país está muito envolvido nas negociações.

Também a Tailândia – país de origem da Red Bull… - quer acolher um Grande Prémio nas ruas de Banguecoque e está em plenas negociações com a Liberty, depois de representantes da candidatura terem estado em Imola, em 2024.

Os mercados asiáticos são muito atraentes para a Liberty (até porque a continuação de Singapura está em dúvida) que está expectante quanto à concretização de desejos de regressos da Malásia e Coreia do Sul, até aqui apenas rumores.

Por outro lado, a Argentina anunciou em outubro passado querer aproveitar o “efeito Colapinto” para ter a F1 de volta ao Autódromo Oscar y Juan Gálvez, nos arredores de Buenos Aires, tendo encetado conversações com a Liberty. Como se vê, interessados na Fórmula 1 não faltam um pouco por todo o Mundo.

E na Europa? Fala-se sempre na estranheza de a França não ter um Grande Prémio e de, agora (2026), com a entrada da Audi, ser “impossível” a Alemanha não regressar ao Mundial. Por outro lado, sabe-se que a Bélgica renovou o contrato até 2031, com uma “nuance”: não fará as corridas de 2028 e 2030.

E este detalhe abre aqui um tema há muito falado – na verdade já vem do tempo do último G.P. de Portugal, em 2021, ainda Paulo Pinheiro estava entre nós – da rotatividade de algumas corridas tradicionais europeias para não se perderem definitivamente Grandes Prémios que fizeram a história do Mundial de F1, mas que foram perdendo espaço pela cada vez maior globalização.

É verdade que haverá Bélgica em 2027, tapando um “buraco” que poderia ser para Portugal, mas este esquema de rotatividade de corridas europeias poderá ser o esquema em que a corrida no Algarve poderá entrar e com uma tarifa mais baixa que as pagas por Grã-Bretanha e Hungria, por exemplo.

Só teríamos F1 ano sim, ano não, é verdade. Mas não vemos outra hipótese de Portugal regressar ao Mundial de F1. E já é um bom exercício para acreditar que aquele anúncio foi feito de boa-fé e sem segundas intenções…