Surgiu na passada semana a suspeita de que os fabricantes alemães teriam atuado em cartel para que fossem orquestrados os sistemas de tratamento de gases de escape para os diesel. Com os Grupos VW, BMW e Daimler a serem acusados, os fabricantes já refutaram as acusações relativas ao possível conluio para um cartel alemão. A 'bomba' surgiu na passada sexta-feira, 21 de julho, no jornal alemão Der Spiegel. Segundo este famoso meio de comunicação social da Alemanha, desde a década de 90 os fabricantes germânicos dos Grupos VW (Volkswagen, Audi e Porsche), BMW e Daimler (Mercedes) terão formado um cartel para o tabelamento de preços de componentes, que após o ano 2000 se estendeu aos sistemas de tratamento dos gases de escape. Arriscando agora avultadas multas de milhares de milhões de euros (até 10% do volume de negócios a nível global), o cartel alemão teria um esquema perpetrado por 200 funcionários de 60 comités especializados em áreas como desenvolvimento de veículos, motorizações, transmissões e embraiagens e também o tratamento dos gases de escape.
A partir de 2006 começam a surgir as evidências de um cartel, devido à opção por depósitos de Adblue mais pequenos e que necessitariam de ser abastecidos a cada 6000km. Segundo é indicado, a escolha de tanques mais pequenos foi decidida em conjunto de forma a contornar o desafio de ter grandes compartimentos para o aditivo junto do motor. Segundo o também alemão Handelsbaltt, após a cartelização veio a ocultação por parte da VW, que optou por introduzir um software que, reconhecendo quando o carro estava a ser alvo de testes de emissões, alterava a quantidade de Adblue enviado para o motor de forma a cumprir os limites de emissões estabelecidos. Até ao momento mais nenhum fabricante foi condenado por esta prática, mas o jornal alemão refere que os investigadores estão agora a olhar para este período temporal próximo de 2006 de forma a verificar se existem sinais de mais crimes por manipulação.
Quando se verificam as possíveis penalizações se ficar confirmada a existência de um cartel alemão, este poderá ser efetivamente um caso com multas avultadas. Basta referir que as autoridades europeias podem decidir-se por penalizações até 10% do volume de negócios das empresas envolvidos. E se o Dieselgate da VW custou à empresa 25 mil milhões de euros, basta observar que 1/10 das receitas finais dos 200 mil milhões de euros da VW e dos 150 mil milhões da Daimler em 2016 já superam largamente esse valor. Isto tem contar com os demais envolvidos…
Martin Winterkorn, anterior CEO da Volkswagen. As investigações do caso Dieselgate resultaram em mandatos de captura a várias personalidades do Grupo Volkswagen. Além do anterior responsável máximo, Oliver Schmidt é um dos referenciados no caso, incorrendo numa pena que pode chegar aos 169 anos.[/caption] A BMW recordou ainda o plano para a a atualização voluntária de softwares que está a levar a cabo nos motores Euro5 (mais antigos), para que eles passem a contar com as mais recentes tecnologias no tratamento de gases de escape. A terminar a declaração colocada no seu site de imprensa refere ainda que esta atualização é um passo no que espera ser um plano mais alargado a implementar pelos fabricantes e municípios com o objetivo de melhorar a qualidade do ar, e que deve ser delineado a 2 de agosto no 'Diesel Summit'. O Grupo VW, cuja imagem já está afetada pelo Dieselgate (embora sem efeitos práticos na performance de mercado, continuando a dominar na Europa), foi mais parca. No entanto, referiu que a cooperação entre fabricantes é uma situação natural e recusa comentar especulações com origem na comunicação social. [caption id="attachment_32014" align="aligncenter" width="635"]
Dieter Zetsche[/caption] Numa declaração recente, o CEO da Daimler, Dieter Zetsche, também referiu que a empresa está bem avisada de que não deve comentar especulações da imprensa. Mas no caso da proprietária da Mercedes poderá existir outra razão para o silêncio, pois tem vindo a ser acusada de ter sido a responsável por divulgar o caso para evitar sofrer penalizações. Esta foi, por exemplo, a prática utilizada em 2016 pela MAN quando informou a Comissão Europeia que os fabricantes de veículos pesados tinham orquestrado os preços de venda até 2011, o que lhe valeu isenção das multas.
O facto da Mercedes ser o 'bufo' do alegado cartel alemão é apontado como o motivo que "danificou totalmente a confiança" que a BMW tinha nos seus compatriotas, refere o Zeitung. Falta agora saber até que ponto esta situação irá alastrar a outras áreas. Além da compra em conjunto de pneus, bancos e para-brisas, cujo maior volume de aquisição de componentes significava poupanças de 200 milhões de euros/ano, e do projeto dos postos de carregamento de veículos elétricos, existem outros pontos de ligação entre os fabricantes de Estugarda e Munique. Um exemplo é o negócio dos mapas digitais da Here, que foi adquirido em 2015 pela BMW, Mercedes e Audi. Falta agora saber se esta alegada 'facada nas costas' por parte da Daimler significa um divórcio total com os seus colegas de Munique. Fontes: Automotive News Europe, Reuters, Handelsblatt
O ' cartel alemão '
A Daimler terá sido a primeira a admitir a orquestração e, segundo o Der Spiegel, a VW também o confirmou numa carta enviada para as autoridades a 4 de julho. O jornal refere que nesta associação secreta o 'cartel alemão' discutia a escolha de fornecedores e o preço de componentes. As primeiras investigações das autoridades alemãs focaram-se no preço pago pelo alumínio, mas mais recentemente o caso tem-se centrado na política seguida para o tratamento dos gases de escape. Tudo teve início em 1995, com a formação do ADA (Centro de Emissões da Indústria Automóvel Alemã), através de um investimento de 5 milhões de euros da Mercedes, BMW, Audi, Porsche e VW e de 3,75 milhões de euros do governo regional de Baden-Wurttemberg. Logo nesta altura foi polémica a exclusão tanto da Opel como da Ford Europe, com localização na Alemanha, algo que as outras marcas explicaram como forma de evitar que o desenvolvimento realizado nestas instalações perto de Weissach fosse passado para os Estados Unidos, mais precisamente a GM e a casa-mãe da Ford.
Os possíveis efeitos
Apesar de todos os envolvidos terem refutado a acusação, a verdade é que os fabricantes alemães viram a sua cotação em bolsa afetada por esta questão. Além disso, a investigação ao caso já saltou fronteiras e passou para o âmbito europeu. As autoridades da Comissão Europeia com responsabilidades na defesa dos consumidores e contra a concorrência desleal analisam de momento o caso, tal como as suas congéneres alemãs, e confirmaram ter recebido uma 'dica' relativa a este possível cartel alemão. Um responsável indicou que "a Comissão Europeia e o Bundeskartellamt receberam informação sobre a matéria, que será avaliada. É prematura especular além disso neste momento". Este poderá ser mais um caso a acabar em multas avultadas, à imagem do que ocorreu por diversas vezes nos últimos anos na indústria automóvel com os fornecedores de componentes, que foram penalizados pela fixação de preços em áreas como a iluminação ou os equipamentos para arrefecimento dos motores.
As reações
O caso deu origem a diversas reuniões internas dos acusados de pertencerem ao 'cartel alemão', e a mais enérgica reação contra o caso veio da parte da BMW. Os bávaros "negam categoricamente' a existência de qualquer organização secreta e afirmam que, até por uma questão de princípio da empresa, não entraram em qualquer manipulação relativa aos gases de escape. A BMW refere ainda que utiliza soluções tecnológicas específicas que afirma serem "melhores" por combinarem o ADBlue com a conversão catalítica do NOx. Por isso conclui que cumpre totalmente as normas e que (numa alfinetada aos compatriotas) nunca precisou de fazer recalls ou atualizações de softwares nos seus veículos. [caption id="attachment_27274" align="aligncenter" width="635"]

Consequências
Outro meio de comunicação social germânico, o Sueddeutsche Zeitung, já avançou com uma réplica do terramoto causado pela divulgação do ' cartel alemão '. É noticiado que a BMW suspendeu as negociações com a Daimler para alargar a aquisição conjunta de componentes e o desenvolvimento de postos de carregamento de veículos elétricos. Esta aliança para os locais de recarga de viaturas de emissões 0 pretende incluir estes equipamentos ao longo de toda a rede de autoestradas europeias, mas o projeto que inclui também a VW e a Ford Europe deverá agora sofrer atrasos.