Alfa Romeo - A magia faz 115 anos

Se os gatos têm sete vidas, um ícone tem vida eterna. É o que acontece com a Alfa Romeo que, ao longo da sua história de 115 anos, tem sido capaz de resistir a todas as adversidades, parecendo ressurgir sempre mais forte. Esta visita ao museu da Alfa Romeo, em Milão, prova isso mesmo

A melhor explicação para o sucesso da Alfa Romeo talvez tenha sido dada em 1944 por Orazio Satta Puliga, então responsável pelo Design da marca italiana: “A Alfa Romeo é um estilo de vida, de vivenciar o automóvel.

Porém, verdadeira essência da Alfa desafia qualquer descrição. Pode ser comparada a essas mudanças irracionais do espírito que às vezes ocorrem no homem e para as quais não existe uma explicação lógica. Estamos no reino das sensações, das paixões, das coisas que têm mais a ver com o coração do que com a cabeça”.

Mais habituado em expressar-se através de imagens (coisa que fez com mestria ao longo de mais de uma década), Puliga dificilmente poderia ter sido mais eloquente. As emoções não se definem e é por isso que a aura da Alfa Romeo prevalece sobre todas as vicissitudes.

Início atribulado

As raízes da Alfa Romeo têm origens nos escombros da Darracq, uma das marcas que mais contribuíram para a História do Automóvel no início do século XX. Altos e baixos marcam, no entanto, o trajeto de Alexandre Darracq que em 1906 funda em Milão a Società Anónima Italiana Darracq, com o propósito de aí montar os seus carros.

A crise económica que se instala na Europa apenas três anos depois quase dita a falência da empresa, que é salva pelo então diretor-geral, Ugo Stella, que a 24 de junho de 1910 altera a designação social para Anónima Lombarda Fabbrica Automobili (A.L.F.A).

Stella e o seu diretor técnico, Giuseppe Merosi, que antes tinha desenhado automóveis para a Fiat e motocicletas para a Bianchi, começam a trabalhar nos planos para os primeiros Alfa: o 12 HP, logo seguido do 15 HP, com um bloco de 2,4 litros com 24 cv, capaz de alcançar os 95 km/h.

A crise que fustigava a Europa acabaria por alterar os planos de Stella e Merosi, algo que se tornou ainda mais evidente com o eclodir da Primeira Grande Guerra, em 1914. As dificuldades financeiras apoderam-se, de novo, da empresa que é socorrida por um engenheiro bem-sucedido, que dá pelo nome de Nicola Romeo, e que coloca a Alfa ao serviço do esforço de guerra, passando a produzir motores para aviões e compressores.

Uma decisão que traz, de novo, a prosperidade, e que terá estado na origem da decisão de tornar a Alfa numa empresa de capitais públicos, o que acontece a par da alteração da designação para Alfa Romeo, formalizada a 3 de fevereiro de 1918.

Quase de imediato iniciam-se os preparativos para o regresso à produção de automóveis, que culmina com o lançamento do Torpedo 20-30 HP, em 1920.

O primeiro ícone

O primeiro modelo a ostentar o emblema da Alfa Romeo conhece algum sucesso, mas a falência do banco que apoiava as atividades da Nicola Romeo faz regressar a incerteza, obrigando à intervenção governamental.

Ainda assim, a Alfa Romeo prossegue o plano traçado e em 1922 é lançado aquele que é um dos primeiros ícones da marca, o RL, considerado a obra-prima do projetista Giuseppe Merosi, que se manteve em produção até 1927.

Conheceria três versões, Normal, Turismo e Sport (foram produzidas 2640 unidades) e teve como momento alto a vitória no Targa Fiorio, em 1923, tendo aos comandos Ugo Sivocci, seguido pelo companheiro de equipa António Ascari.

Os carros vermelhos com o trevo de quatro folhas verde em fundo branco, mostravam-se imbatíveis. Nascia o mito Quadrifóglio que passou a identificar os automóveis desportivos da Alfa Romeo mas… a sorte não quis nada com Sivocci, que viria a falecer nesse mesmo ano, em Monza, vítima de um violento acidente quando testava um novo automóvel de competição (P1).

O programa de competição da Alfa Romeo vacila mas não quebra e em 1924 é lançado o P2, o primeiro carro da marca italiana equipado com um motor de oito cilindros sobrealimentado, desenhado por Vittorio Jano, trazido da Fiat, por influência do jovem piloto Enzo Ferrari. Apenas foram construídas oito unidades daquele que foi um dos mais bem-sucedidos automóveis de competição dos anos 20.

Os êxitos do P2 levaram a que Vittorio Jano desenvolvesse uma pequena série de automóveis de estrada, equipados com motores de quatro, seis e oito cilindros, em liga leve, vela de ignição no centro da câmara de combustão e duas árvores de cames por bancada de cilindros – a base para os famosos “Twin Spark” que são indissociáveis da história da Alfa Romeo.

Uma década de ouro para os carros vermelhos que dominavam quase todas as provas em que participavam, como foi o caso da edição de 1928 das Mille Miglia, à época a corrida mais prestigiada do mundo, com o Alfa Romeo 6C 1500 compressor a esmagar toda a concorrência.

A Alfa Romeo era a marca a bater; a notoriedade superava largamente a de construtores como a Mercedes, e encorajava os responsáveis a regressar à produção de automóveis de série. No entanto, o sucesso nas pistas não tinha correspondência nas finanças e Nicola Romeo opta por deixar a empresa, em 1928.

Como consequência toda a atividade desportiva fica sob o comando de Enzo Ferrari, que conhecia bem os “cantos da casa” e que em 1929 fundava em Modena a Scuderia Ferrari que coordenava a atividade de quatro dezenas de pilotos, incluindo nomes como Ascari, Campari e Nuvolari. Os carros de Milão passam a alinhar sob a designação Ferrari Racing Team Alfas.

Quase o fim

Já sem a figura de Nicola Romeo mas sempre com o saber de Vittorio Jano, a década termina com a apresentação do 6C 1750, no Salão de Roma, um modelo que iria permitir à dupla Nuvolari/Guidotti vencer no ano seguinte as Mille Miglia, com um novo recorde de velocidade média (100 km/h).

Um resultado que inspirou a Alfa Romeo para outro feito inédito, no ano seguinte: a vitória do 8C 2300 nas míticas 24 Horas de Le Mans. Inúmeros triunfos se seguiram ao longo da década de 30, nas mais diversas categorias, com carros como o Tipo B (conhecido por P3).

A Segunda Grande Guerra (1939-1945) tem na Alfa Romeo o mesmo impacto que teve em toda a sociedade e economia da Europa. No entanto, o golpe mais duro foi o assassinato de Ugo Gobbato, que liderava os destinos da empresa desde 1933 e que tinha grandes planos para fazer renascer a Alfa Romeo das cinzas, já que toda a estrutura da indústria tinha sido destruída.

Pasquale Gallo toma os comandos, enquanto Orazio Satta Puliga é nomeado responsável pelo design. Precisam de apenas dois anos para fazer ressurgir a aura da marca: lançado em 1947, o Freccia d’Oro é muito mais do que uma versão atualizada do 6C 2500 Sport, irradiando charme e vencendo os principais concursos de elegância automóvel.

A década de 50 chega fulgurante para a Alfa Romeo, nomeadamente no plano desportivo, com a conquista do primeiro Campeonato do Mundo de Formula 1, com os Alfetta 158 de Nino Farina e Juan Manuel Fangio a alcançarem as duas primeiras posições.

O ano seguinte é marcado pela chegada de Giuseppe Luraghi à liderança da Alfa Romeo, cargo que mantém até 1974. São anos de grande dinâmica no plano industrial, com projetos emblemáticos como o Giulietta, que apaixonou os italianos e a Europa em geral, ao ponto de o marco das 100 mil unidades ter sido alcançado logo em 1961.

É o início de um período áureo para a Alfa Romeo, agora no capítulo dos automóveis de produção. Em 1962 o Giulia deslumbra o mundo com as suas linhas arrojadas que além da extrema beleza revelam uma eficácia aerodinâmica recorde, com um Cx de 0.34.

Renascer e regressar ao topo

O sucesso nos “stands” é replicado nas pistas, a partir de 1965, com Nuccio Bertone e Giorgetto Giugiaro a trabalharem pela primeira vez em conjunto para definir as formas finais do Giulia GTA (Gran Turismo Alleggerita), a partir da carroçaria do Giulia Sprint GT, mas muito mais leve, graças à construção em alumínio.

A par do baixo peso e da utilização de um motor de 1600 cc de alto rendimento, o Giulia GTA assume-se como a referência no Campeonato Europeu para Automóveis de Turismo, entre 1966 e 1968.

Até ao final da década de 60 a Alfa Romeo haveria de multiplicar criações que ficam na sua história, mas o grande destaque vai para o Tipo 33, por muitos apontado como o grande embaixador da marca italiana.

Desenhado por Franco Scaglione, a partir do modelo de competição (33/2), o 33 Stradale é considerado como um dos mais belos automóveis alguma vez desenhados. Apenas foram produzidas 18 unidades e hoje o seu valor em leilões facilmente supera os 13 milhões de euros.

O sucesso conseguido nos anos 60 projeta-se na década seguinte, com a Alfa Romeo a ser convidada a participar na Expo de Montreal, no Canadá. Uma presença que teria que ser “em grande”, o que leva à convocatória dos estúdios de Nuccio Bertone.

As linhas arrojadas do Montreal e o recurso ao motor V8 de 200 cv (herdado do 33) deslumbram o mundo inteiro. Outro modelo que ocupa um lugar de primeiro plano na história da Alfa Romeo!

Os anos 70 e 80 “valem” sobretudo pelos êxitos desportivos, principalmente com a conquista, em 1972, do Campeonato do Mundo de F1, graças ao Alfa Romeo 159, denominado de Pequeno Alfa (Alfetta).

Mesmo a fechar a década de 80, em 1987, a Alfa Romeo apresentou o 164, o primeiro modelo concebido após a venda da marca ao Grupo Fiat, que tinha como objetivo o mercado norte-americano, onde conseguiu bons resultados, fazendo esquecer “desaires” passados, como o 33 ou o 75.

A Alfa Romeo demorou, aliás, a recuperar desse “trauma”, algo que só conseguiu com o lançamento do 156, em 1998, um modelo que combinava as tecnologias mais avançadas então disponíveis (casos do sistema de injeção “common-rail” e da caixa automática Selespeed), com um design cativante, com a assinatura de Walter de Silva. Resultado: o título de “Carro do Ano de 1998” e um sucesso de vendas a que a Alfa já não estava acostumada.

O início de uma nova era, o regresso de uma marca responsável pela conceção de alguns dos automóveis mais belos de sempre e pelo desenvolvimento de tecnologias fundamentais para a evolução desta indústria.

O lançamento recente de modelos como Giulia, o Stelvio ou o Tonale atestam esse trajeto fantástico e ilustram o porquê de uma legião inigualável de fãs.

A estes mas, principalmente, àqueles que não conhecem verdadeiramente aquilo que a Alfa Romeo fez durante 115 anos fantásticos, recomendamos a visita ao Museu, em Arese.