A edição deste ano do Salão Automóvel de Genebra mostrou-nos, com invulgar clareza, para onde caminhamos - sem dramatismo, nem exercícios de ficção.
Mais importante do que as propostas tecnológicas de cada construtor, importa destacar uma mensagem entusiasmante: o futuro não é disruptivo, não há que temer por nenhuma revolução, como alguns profetas, com responsabilidades, pretendem fazer crer. Mesmo com um peso relativo diferente do atual, mas que é impossível prever, as soluções de mobilidade do futuro não serão muito diferentes das atuais.
O automóvel continuará a ser o meio individual de locomoção mais popular; o automóvel continuará a ser um símbolo de afirmação e liberdade. O automóvel continuará, por isso, a ter um papel essencial na vida das pessoas, seja nas sociedades que já atingiram patamares de conforto e desenvolvimento avançados, seja naquelas que almejam alcançá-los nas próximas décadas.
E sendo este um pressuposto aceite por quase todos, é agora importante acrescentar que, na forma como no conteúdo, também não devemos esperar uma revolução. O automóvel continuará a ter quatro rodas, um motor, deslocar-se-á por estrada com famílias e amigos a bordo, à semelhança daquilo que acontece há mais de um século. Quase desde os tempos em que o carro que voa pelos céus, ou responde ao assobio do seu proprietário, anima os livros de banda desenhada ou os filmes de ficção.
Mais, ainda, o Salão Automóvel de Genebra mostrou-nos que, tendo ainda um longo caminho para fazer rumo à democratização global da sua posse e utilização, o automóvel tenderá a privilegiar soluções cada vez mais simples e, portanto, cada vez mais económicas, para que possa, precisamente, estar ao alcance de todos. Por isso mesmo, o automóvel continuará a apostar e a fazer evoluir as principais soluções tecnológicas que já conhecemos, havendo, com certeza, um lugar para todas elas.
O elétrico, sem dúvida alguma continuará a fazer o seu caminho, com novas baterias e novos processos de carregamento mais rápidos, o hidrogénio deverá ser a alternativa que mais deverá evoluir, mas há ainda um duradouro lugar para o motor de combustão que será cada vez mais eletrificado.
Por longos anos esta será a única forma de dar resposta a duas questões essenciais da equação: por um lado uma mobilidade sem restrições, ambientalmente sustentável e a baixo custo (de produção e para o utilizador), e, por outro, a obrigatoriedade de evitar, sobretudo na Europa, situações de desequilíbrio social, já que o automóvel elétrico acarreta, em média, uma redução de 20% dos componentes e processos de fabrico e uma correspondente diminuição da mão de obra necessária.
Sendo o automóvel responsável por 13 milhões de postos de trabalho diretos, não se crê, portanto, que exista um só governo que fique de braços cruzados perante a ameaça de uma escalada do desemprego.
Nesta edição da Turbo, aliás, Manuel Romão assina um artigo de opinião cuja leitura recomendamos precisamente porque ajuda a compreender muito do que está em cima da mesa em relação aos desafios que os construtores enfrentam, deixando claro aquilo que nos parece essencial e que Genebra nos mostrou: a eletrificação é, antes de tudo, a forma que os construtores arranjaram para continuarem a poder vender os veículos com os quais ganham dinheiro e que os consumidores realmente querem. Não há por que dramatizar.
Não vale a pena colocar a carroça à frente dos bois.
Artigo de opinião publicado originalmente na edição em papel da Revista Turbo de abril de 2019.