Mais braços do que volante

O volante, símbolo centenário do automóvel, prepara-se para uma revolução. A direção eletrónica (steer-by-wire) promete mudar a forma como conduzimos: sem ligação física às rodas, abre espaço, reforça segurança e permite designs futuristas, transformando o volante num simples joystick digital.

A par do motor e travões, o volante é um dos elementos mais importantes do automóvel desde que foi inventado há mais de 130 anos. Mas, ao contrário do muito que têm evoluído os outros componentes centenários mencionados, o volante é dos órgãos de um automóvel que mais tem em comum com os primeiros projetados por gente como Henry Ford ou Karl Benz. Mas isso (também) é algo quer está prestes a mudar com a iminente generalização dos sistemas de direção eletrónica (steer-by-wire): vão aparecer com novas formas, diferentes funcionamentos e até desaparecer por completo, neste caso quando o automóvel-robot, finalmente, acontecer.

O sistema da direção assegura que o carro segue a trajetória desejada e é, talvez, o mais importante interface entre condutor e veículo, seja para virar, manter na faixa de rodagem, desviar de um obstáculo ou estacionar. Nas últimas décadas passámos das direções mecânicas sem assistência para as mecânicas com assistência hidráulica e depois eletro-hidráulica, para que a ajuda à rotação do aro fique imediatamente disponível sempre que se seja necessário esperar pelo aumento da pressão do óleo.

Os sistemas de direção eletrónica preparam-se para acabar com a ligação física constituída pela barra de direção a unir as rodas dianteiras, substituindo-a por sensores e atuadores que definem o ângulo de viragem das rodas a montante e a jusante de uma unidade de controlo eletrónico, que depois passa a informação de quanto as rodas devem girar a uma haste elétrica. O volante torna-se um elemento de controlo semelhante a um joystick que apenas passa informação digital, o que quer dizer que não tem que ser redondo nem “fechado”.

"O volante será um elemento de controlo semelhante a um joystick que apenas passa informação digital, o que quer dizer que deixará de ter de ser redondo ou “fechado”"

É o que vemos já hoje na pick-up Tesla Cybertruck, o primeiro veículo de produção em série que apenas pode ter uma direção eletrónica (a Infiniti estreou a tecnologia no Q60 coupé em 2016 e a Toyota seguiu esse caminho no atual bZ4X, mas em qualquer destes casos como sistemas opcionais às direções de série “convencionais”). Nos próximos meses chegam ao mercado o novo Mercedes CLA, os Cadillac Lyriq e Celestiq e o Nio ET9 (que, assim e a par do eixo traseiro direcional, consegue ser um crossover de 5,3 metros mas com o diâmetro de viragem semelhante ao de um VW Golf, quase um metro mais pequeno) todos com direção eletrónica, que serão seguidos por modelos de marcas não premium, conforme intenção demonstrada pela Stellantis nos concept-cars Opel Experimental e Peugeot Inception (este com um volante tão angular que parece saído diretamente de um videojogo de consola). A Audi também nos deu um vislumbre do que está a preparar para o futuro feito de automóveis autónomos com o seu concept-car Skysphere, cujo volante se fundia discretamente com o painel de bordo quando os seus serviços não são necessários.

A vontade dos engenheiros de se verem livres da barra de direção física tem várias explicações: liberta espaço na frente do carro, permite eliminar um órgão caro, é reforçada a segurança porque no caso de uma colisão frontal a energia gerada pelo choque não é transmitida diretamente para os braços do condutor, abrem-se novas possibilidades de aplicação de recursos de assistência à condução e também se soltam as amarras do design.

Na condução propriamente dita, os movimentos de braços devem ser menos amplos (num automóvel comum há que dar 2 a 3 voltas completas entre batentes para conseguir uma volta de 180 graus com o veículo), o que significa que deixará de ser necessário corrigir a posição das mãos no volante nas curvas mais fechadas. Além disso, a relação de direção infinitamente variável - que se ajusta constantemente em função da velocidade, do tipo de condução ou das condições da estrada - significa que a mesma amplitude de movimento aplicado no volante a baixas velocidades irá fazer variar muito menos a trajetória do veículo do que a velocidades elevadas.

Mas, atenção, pode acontecer que o carro vire mais do que o pretendido num momento inicial de adaptação do condutor a essa resposta mais direta: por experiência, posso confirmar que essa recalibração de movimentos tem uma rápida curva de aprendizagem porque depois de ter galgado um passeio (baixinho…) nos primeiros quilómetros do test-drive do Infiniti Q60 em Barcelona, em 2016, não voltei mais a sair dos carris…