Grão a grão enche a Xiaomi o papo

Lei Jun, apelidado de “Steve Jobs chinês”, transformou a Xiaomi em gigante global: de apps a 3.º maior fabricante de smartphones e agora potência automóvel. Em 2024 lançou o SU7, que esgotou 200 mil unidades em 1 hora; em 2025, o YU7 superou o feito, consolidando a visão de um império tecnológico sobre rodas.

Os casos de estudo que nos chegam da China são histórias com enorme potencial para se transformarem em guiões de filmes de sucesso. Um dos mais recentes é o da Xiaomi, fundada há 15 anos por Lei Jun, que começou por fazer aplicações de software para o sistema android e depressa lançou no mercado doméstico o seu primeiro telemóvel.

Mesmo sendo considerado uma réplica chinesa de Steve Jobs – de quem leu um livro nos seus anos de faculdade, tendo adotado um estilo de vestir muito próximo ao do americano, das calças de ganga claras às t-shirts escuras, não esquecendo o corte de cabelo – Lei Jun tornou-se a nova estrela do mundo dos negócios na China. E mesmo com claras semelhanças no formato da apresentação de novos produtos e nas caraterísticas dos mesmos, a Xiaomi explodiu de pequena empresa de software (em 2011, coincidentemente o ano da morte de Jobs) a terceiro maior fabricante de telemóveis do mundo (mais de 100 milhões em 2024, só atrás da Apple e da Samsung) num tempo-recorde.

Há pouco mais de um ano, a Xiaomi lançou o seu primeiro automóvel – o sedan SU7 – e o sucesso foi tão grande como pouco surpreendente. 200 000 encomendas em menos de uma hora para uma legião de fanáticos maioritariamente formada pela geração Z chinesa, que adquiriu, quase da noite para o dia, um orgulho inquebrável de tudo o que é nacional. E se as suas casas já estavam cheias de produtos Xiaomi, este acabava por ser mais um concentrado de  eletrónica com rodas.  As críticas do mundo ocidental apontavam o dedo à excessiva proximidade ao design do Porsche Taycan, mas não tiveram grande efeito dissuasor nas vendas do carro, sendo muito mais determinante o seu preço de combate (desde o equivalente a 30 000 euros, para um modelo familiar, com longa autonomia e performances fora de série) e, claro, o facto de o seu mercado natural ser o de um país com 1,42 mil milhões de pessoas.

“Em menos de 15 anos, Lei Jun transformou a Xiaomi de pequena startup de software no terceiro maior fabricante mundial de smartphones — e agora desafia a indústria automóvel com carros elétricos que batem recordes de vendas em minutos.”

Comparativamente, os Estados Unidos são uma pequena nação, com pouco mais de 340 milhões de habitantes. Mas mesmo sendo este um fator crítico para o sucesso de qualquer negócio, não será a principal explicação para o facto de Lei Jun ter conseguido algo que quem deu seguimento à obra do seu guru não alcançou, como ele orgulhosamente fez questão de destacar na revelação mundial do segundo automóvel da Xiaomi, em junho – o SUV YU7, para o qual choveram quase 300 000 encomendas na primeira hora que ficou disponível para compra online - ao dizer qualquer coisa como isto: “a Apple gastou 10 anos e mais de 10 mil milhões de dólares para fazer o seu primeiro carro e desistiu. Nós fizemo-lo o ano passado e lançamos agora o segundo capítulo”.

Sem entrar nas vantagens de ter incentivos estatais gordos, de existir uma estrutura de carregamento com vasta capilaridade em todo o país (o que não acontece nos EUA) e reconhecendo o mérito da criação de uma cadeia de fornecimento de componentes perfeitamente controlada, importa perceber que a Apple fechou o Projeto Titan (o código secreto do seu carro) porque não preenchia duas premissas. Primeiro, dificilmente poderia ser, à nascença, o carro-robot global (Nível 5 de condução autónoma) que os mentores do projeto tinham sonhado, porque o quadro legal que isso permita está ainda a pelo menos uma década de distância. E, depois, porque os lucros operativos da indústria automóvel são quase risíveis quando comparados com os das indústrias eletrónicas ou tecnológicas. Uma análise de 2025 da consultora Bestbrokers (junto de 1189 empresas dos mais variados setores) concluiu que as margens de lucro da indústria automóvel à escala global não vão além dos 4,8% sobre a faturação, a um oceano de distância dos 36% que lucra a Microsoft ou dos 27% amealhados pela Apple.

Só que a visão de pequeno (Xiao em mandarim) bago de arroz (Mi, idem) que se transformará numa montanha budista de Lei Jun aceita que o automóvel engula parte do sucesso económico do negócio tecnológico da sua empresa (encolhendo os lucros operativos da Xiaomi para menos de 10% no final de 2024) nesta fase embrionária da sua marca de automóveis.

Mas a sua previsão é de que esta divisão de carros elétricos (mesmo respeitando a filosofia de vender produtos a preços muito acessíveis) consiga estar “no verde” antes do final deste ano. O que, mesmo com desafios colossais como o da internacionalização da marca e o desenvolvimento de uma gama de modelos ampla, deixará o líder da Xiaomi totalmente convencido de ter reincarnado ou até superado a genialidade visionária do seu mentor empresarial e espiritual.

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