AUTO UNION TYP A 90 ANOS

Em 1934 o Prof. Ferdinand Porsche projetou um monolugar de Gran Prix que inovou com o seu motor central traseiro, uma solução que a Fórmula 1 só adotou em 1958 com o Cooper T43

A história da Auto Union começou em 1932, no ano em que António de Oliveira Salazar assumia a liderança do governo em Portugal e o partido Nazi crescia de importância na Alemanha onde Adolf Hitler foi nomeado chanceler no ano seguinte.

A crise económica era grave e abalava toda a Europa. Os sinais de alarme na indústria automóvel alemã eram mais do que evidentes e foram tomadas medidas drásticas para salvar um ramo importante da economia de um país em convulsão política. Foi neste quadro que os responsáveis da Horch, Audi, DKW e o departamento automóvel da Wanderer-Werke acordaram uma parceria industrial que fazia todo o sentido do ponto de vista económico, mas não era fácil de compatibilizar com empresas (até aí) rivais e com projetos distintos.

AUTO UNION

A fusão acabou por acontecer e deu origem a uma empresa chamada Auto Union, que empregava 20 mil pessoas e era simbolizada por quatro anéis entrelaçados (a imagem atual da Audi) que procuravam representar a parceria entre as marcas, mas também a sua diferença, porque elas eram verdadeiramente diferentes na oferta e no tipo de clientes.

A situação económica da Alemanha era caótica, mas as alterações políticas encetadas pelos nazis em 1933/1934

garantiram apoios financeiros e ajudaram a indústria automóvel a recuperar. O lobby junto de Adolf Hitler permitiu que os milhões reservados à Mercedes fossem partilhados com a Auto Union e levou à criação de um prémio milionário para a marca alemã com maior sucesso desportivo internacional.

Este dinheiro permitiu à Auto Union lançar modelos como o Audi 2.0 litros de tração dianteira, bem como o investimento na competição com um modelo inovador, idealizado pelo Prof. Ferdinand Porsche, com um motor de 16 cilindros colocado em posição central traseira com 295 cv. O projeto ficou sediado em Zwickaw numa fábrica da Horch.

A ideia ia contra tudo o que se fazia, mas baseava-se em ideias que vinham de 1923 e do estudo “Benz Trofenwagen Weigt Distribution”.

NOVOS TEMPOS

Numa Alemanha politicamente diferente, os nazis procuravam qualquer sucesso para afirmar a sua superioridade e os automóveis surgiram nas primeiras linhas. Os Gran Prix foram uma grande aposta de promoção política na Alemanha de Adolf Hitler. A Mercedes liderava numa época em que os regulamentos desportivos das corridas (que estão na génese da F1 atual) eram mais do que liberais. Apenas era definido o peso mínimo de cada veículo (850 kg) e tudo o resto dependia da argúcia e criatividade dos projetistas, que procuravam maximizar a relação peso/potência para otimizar as performances.

Numa Europa debilitada, os franceses não tinham expressão com as suas marcas, os britânicos não tinham acordado e os italianos não apostavam na evolução dos seus projetos. Itália tinha grandes pilotos, do calibre de Tazio Nuvolari, mas a Alfa Romeo deixara de ser convincente e os alemães aproveitaram. A Bugatti, a Alfa Romeo e a Maserati estavam “fora de prazo...”

TYP A

Foi neste quadro que o Prof. Ferdinand Porsche começou a trabalhar para a Auto Union e avançou com um projeto revolucionário, criando um monolugar diferente de todos os outros, com um motor colocado em posição central traseira, atrás do banco do piloto. Na época, a ideia era inovadora, mas é hoje uma fórmula conhecida – a repartição de massas contribui para melhorar o comportamento dinâmico – e era essa a ideia de “herr” Porsche para ajudar a bater os Mercedes.

O Auto Union ficou conhecido como Typ A, mas começou por ser referenciado internamente como Porsche P-wagen ou T22.

Foi criado um chassis em aço, formado por dois tubos longitudinais em aço, com travessas no eixo anterior e traseiro para suportar as suspensões. O motor V16 de 4,4 litros de cilindrada com um compressor roots, que elevava a potência a 295 cv, foi colocado em posição central traseira, atrás do banco do piloto, uma opção pouco ortodoxa para a época. O objetivo era claro: otimizar a repartição de massas para bater os Mercedes de motor dianteiro, a referência naqueles anos. Tudo foi pensado ao detalhe e as tubagens do sistema de refrigeração que ligava o radiador ao motor passavam pelo interior dos tubos do chassis.

Nestes tempos, a fragilidade dos chassis condicionava a opção por motores em posição central, provocando a sobreviragem. Por isso a Auto Union apostou numa suspensão dianteira e traseira independente e adotou barras de torção à frente.

A primeira aparição pública do Auto Union Typ A aconteceu em 1934 no circuito de Avus, onde Hans Stuck (pai do piloto que chegou à F1 e Resistência), estabeleceu três recordes de velocidade. Provou o potencial do novo Typ A, mas a Auto Union ainda não estava à altura de competir de igual para igual com a Mercedes nas pistas, nem nas subvenções atribuídas pelos nazis, que olhavam para a competição automóvel como mais uma forma de propaganda política. Venceu em algumas provas de montanha, mas continuou à espera de um resultado de vulto.

Os primeiros êxitos surgiram em 1935 com o Typ B. Os vizinhos de Estugarda continuavam a somar vitórias, mas os sucessos da Auto Union nos Gran Prix de Itália (Hans Stuck) e da Checoslováquia/Brno (Bernd Rosemeyer) mostravam que a marca estava a progredir com uma evolução do monolugar, com uma distância entre-eixos dilatada (de 2800 para 2910 mm) e um motor mais eficaz.

O SUCESSO

O Auto Union evoluiu e conseguiu afirmar as ideias originais do Prof. Ferdinand Porsche com inúmeras vitórias. É certo que houve uma evolução do motor V16, que chegou aos 5,0 litros de cilindrada e passou a garantir 375 cv de potência. As alterações no regulamento desportivo e o desempenho de pilotos como Achille Varzi ajudaram uma equipa que continuava a colher sucessos em provas de rampa com Hans Stuck, que também ia batendo recordes de velocidade em estrada aberta, chegando aos 320 km/h.

Em 1936 a Auto Union somou vitórias frente aos Alfa Romeo 12C-36, Maserati V8RI e Bugatti 59/50 e os seis sucessos garantiram o título a Bernd Rosemeyer, mas a marca sediada em Zwcikau, com novos motores de 6,0 litros e 520 cv de potência, estava mais interessada no duelo com a Mercedes e perdeu o campeonato de construtores.

No ano seguinte o Auto Union não apresentou grandes alterações. Deu luta aos novos Mercedes W125, mas apenas venceu cinco provas contra sete triunfos da marca de Estugarda entre as pontuáveis para o campeonato e as privadas.

REVOLUÇÃO EM 1938

Em 1938, tudo se alterou. O Prof. Ferdinand Porsche foi chamado pelos políticos para outras iniciativas e o seu lugar na Auto Union foi ocupado por Robert Eberan von Eberhost, numa altura em que os motores foram limitados a V12 com 3,0 litros de cilindrada. Foi uma revolução que passou pela adoção de um inovador sistema de cartografia, que permitia medir as performances, o regime do motor, velocidade, trocas de velocidade, pressão sobre os travões, etc.

Estas inovações só foram generalizadas muitos anos depois. Foram marcantes no ano em que morreu Bernd Rosemeyer, na tentativa de mais um recorde de velocidade (ver caixa). Sem grandes alternativas, os alemães recrutaram o seu habitual adversário, o italiano Tazio Nuvolari, que garantiu a vitória nos Gran Prix de Itália e Donington, num ano em que Hans Stuck voltou a colecionar vitórias em provas de rampa.

Numa Europa cada vez mais próxima da guerra depois da Alemanha ter anexado a Áustria, em 1939 a Alemanha invadiu a Polónia. A França e Inglaterra declaram a guerra no ano em que o Auto Union de Tazio Nuvolari venceu na Jugoslávia (Belgrado) e foi segundo em Eifel (Nurburgring). Herman P. Muller ganhou em França e foi segundo no Gran Prix da Alemanha. Rudolf Hasse e Georg Meier foram segundos na Bélgica e em França.

A GUERRA

A II Guerra Mundial obrigou a alterar os objetivos da indústria alemã. A Auto Union dispunha de um grande stock de material e continuou a trabalhar e os DKW (que não foram requisitados pelo exército devido à sua estrutura em madeira) estavam no mercado. Nos primeiros anos do conflito a Auto Union produziu 33 646 veículos e em 1942 ainda foram fabricados 1500 DKW, com os restos dos stocks existentes. Em tempo de esforço de guerra, a situação da Auto Union era complicada. A Horch e a Wanderer eram as marcas que mais contribuíam e a Audi tinha uma participação mínima. O exército mobilizou 6700 trabalhadores da Auton Union.

O ano de 1944 foi catastrófico: os bombardeamentos aliados destruíram as fábricas de Spandau e Berlim. A fábrica de Siegmar (Wanderer), que produzia motores para os blindados, foi arrasada. As instalações de Zwickau, Horch e Audi também foram severamente afetadas. Os russos ocuparam a região de Chemintz, a sede da Auto Union foi transformada num hospital e, nos tempos seguintes, todas as indústrias que trabalhavam na Saxónia e davam emprego a 36 mil pessoas foram privatizadas ou desmanteladas. Em 1948, o novo governo da Saxónia pós-guerra anunciou a expropriação da Auto Union e, dos 36 mil trabalhadores, os mais qualificados foram requisitados para trabalhar na Rússia.

As grandes fábricas da Auto Union ficaram no Leste, na zona de influência soviética. No pós-guerra, a Auto Union era a única empresa ocidental sem fábricas, mas foi criado em Ingolstadt um centro de peças da marca. Aí nasceu um centro de produção e a NSU foi uma bandeira de um Grupo que se dividiu entre a NSU e a Audi, que acabou por ser o baluarte de resistência até 1972, quando foi estabelecido um protocolo com o Grupo VW que projetou a marca Audi.

Homenagem

O Audi Rosemeyer foi criado no ano 2000, na viragem do século, como um estudo de design, mas pode ser visto como uma extrapolação moderna de um automóvel tão arrojado como modernista, surgido na Alemanha em 1934 e que nunca chegou a ser produzido. Tal como o seu antepassado, que ficou conhecido como o veículo dos superlativos, tendo sido projetado com base no Auto Union de Gran Prix (a disciplina que deu origem à Fórmula 1), o Audi Rosemeyer apostou forte na eficácia aerodinâmica, um caminho que se hoje é facilmente dominado pelos estudos em túnel de vento, em meados da década de 30 era quase uma ciência oculta.

Mas as pontes entre o passado e o presente não se ficam por aqui. Rosemeyer – o nome dado a este estudo da Audi – era o apelido de um dos mais famosos pilotos que na década de 30 conduziam os Auto Union nas provas de Gran Prix. Nessa época, os carros prateados tinham uma volumosa grelha frontal, a exemplo do que acontece no protótipo, e uma opção que começou a ser como que a nova imagem de marca dos modelos da casa de Ingolstad. Atrás dessa grelha, os Auto Union de Grand Prix utilizavam motores de 16 cilindros em “V”, uma arquitetura que a Audi recuperou no protótipo, juntando dois blocos de oito cilindros.

Loucura dos recordes

O recorde mundial de velocidade em estrada foi estabelecido em 1938 na Alemanha. Na altura, as autobahns (auto-estradas) eram uma imagem da propaganda do partido nazi e Rudolf Caracciola (Mercedes W125) atingiu os 432,7 km/h no troço que liga Meno a Darmstadt, estabelecendo uma marca que nunca foi superada.

A Mercedes e a Auto Union eram o expoente máximo do desporto automóvel e as autoridades promoveram um confronto entre elas para estabelecer o recorde. As equipas das duas marcas encontraram-se no dia 28 de Janeiro de 1938 para o duelo entre Rudolf Caracciola (Mercedes) e Bernd Rosemeyer (Auto Union).

Com o Mercedes W125, Caracciola atingiu os 432 km/h. Eram quase nove horas da manhã e Rosemeyer, com o seu Auto Union, tentou batê-lo e às 11 horas conseguiu chegar aos 429 km/h.

Mas não era suficiente. Por isso, apesar da alteração das condições atmosféricas, Bernd Rosemeyer decidiu efetuar uma nova tentativa. Foi surpreendido por uma súbita rajada de vento que desequilibrou o Auto Union. Despistou-se e o carro desintegrou-se com a violência do embate. Perdeu-se assim a vida de um piloto brilhante numa louca corrida por um simples recorde.

O W125 está patente no museu da Mercedes em Estugarda. O carro ainda hoje impressiona pela fluidez da sua carroçaria carenada, desenvolvida numa época em que a aerodinâmica era ainda uma ciência incipiente. Mesmo assim o resultado é notável. Medido num túnel de vento, o resultado com Cx é brilhante: 0,157. Para otimizar o aerodinamismo, o Mercedes apenas contava com duas pequenas tomadas de ar dianteiras, que garantiam que o motor pudesse “respirar”. A refrigeração era assegurada por um radiador mergulhado num depósito com 500 litros de gelo e água.

O W125 foi desenvolvido a partir do carro que a Mercedes utilizava nas corridas de Gran Prix (antecessora da Fórmula 1) e contava com um motor V12 de 5,6 litros de cilindrada que, graças a dois compressores, debitava 700 cv de potência.