A chegada do novo Civic Type R desperta o piloto que se esconde em todos os condutores. É uma vertigem de velocidade extensível ao condutor do lado, especialmente se este estiver ao volante de um Focus RS.   Primeira regra do Clube de Combate: não se fala do Clube de Combate. Segunda regra do Clube… Read more »

Texto: Ricardo Machado / Fotografia: Vasco Estrelado
Data: 18 de Março, 2018

A chegada do novo Civic Type R desperta o piloto que se esconde em todos os condutores. É uma vertigem de velocidade extensível ao condutor do lado, especialmente se este estiver ao volante de um Focus RS.

 

Primeira regra do Clube de Combate: não se fala do Clube de Combate. Segunda regra do Clube de Combate: não se fala do Clube de Combate! Se esta introdução lhe parece familiar é porque, provavelmente, viu o filme com o mesmo título de este artigo. Atenção, ao contrário da personagem principal da película realizada por David Fincher e protagonizada por Brad Pitt, não sofremos de insónias ou de distúrbios de personalidade. Estamos apenas “malucos” com o aparato visual do novo Honda Civic Type R!

Em condições normais, o Azul Nitrous do Ford Focus RS não ficaria atrás de outro rival. Talvez com as aplicações em preto do Pack Performance, extensíveis das jantes à asa traseira passando pelas capas dos espelhos e pelo tejadilho, este com acabamento mate, tivesse alguma hipótese. Assim, ao lado do “spliter” dianteiro, das saias laterais ou da enorme asa traseira, todos repletos de pequenos perfis para melhorar a aerodinâmica, do Honda, o Focus acaba por parecer um automóvel normal. O que não é necessariamente mau. Permite-nos passar relativamente despercebidos nos semáforos e passadeiras, enquanto ao nosso lado chovem solicitações para filmar e tirar selfies com o Type R…

 

Efeito Type R

É normal. Chamemos-lhe efeito Type R. Uma reação instintiva, provocada pela presença de automóveis com imagem marcadamente desportiva, capaz de despertar o piloto latente no mais tranquilo dos condutores. Desenhado para velocidade e construído para a eficácia, do vinco aparentemente insignificante à mais escondida das aletas, toda a carroçaria foi otimizada para o desempenho, o Honda não deixa ninguém indiferente.

Embora tenha sido desenvolvido em paralelo com o novo Civic, a especificidade do Type R torna-o 170 mm mais comprido, 25 mm mais baixo e 3 mm mais estreito. A este redimensionamento junta-se o aumento de 95 mm da distância entre eixos e um centro de gravidade 35 mm mais baixo. Um perfil baixo e plantado, ao lado de um Focus RS marcadamente compacto. Apesar de ser mais comprido (17 cm) e largo (6 cm) o Honda é 219 kg mais leve. Houve um investimento grande em alumínio, como o que dá forma ao capot, 5,3 kg mais leve que o capot de aço do Civic normal, mas a grande diferença é feita pelo sistema de tração integral do Focus RS. Em janeiro ficámos em estado de choque perante esta informação, mas rapidamente nos rendemos à superior eficácia e potencial de diversão do sistema criado pela Ford.

 

Estilo WRC

Recorrendo à vectorização dinâmica do binário, com uma embraiagem controlada eletronicamente de cada lado do diferencial traseiro, o Focus RS alia a velocidade elevada em curva, a saídas explosivas. Estas são possíveis porque a eletrónica desvia até 70% do binário para o eixo traseiro e aí 90% para a roda exterior. Nessas condições é possível sair das curvas de acelerador a fundo e em deriva controlada, ao melhor estilo WRC. Mas não é tudo.

O último modo de condução acessível a partir do comando sequencial da consola – Normal, Sport, Track e Drift – foi programado especificamente para andar de lado. A exemplo do que acontece quando se seleciona Track, o modo onde se consegue extrair todo o potencial do Focus RS, o painel de instrumentos alerta para a necessidade de se utilizar o modo Drift apenas em circuitos controlados. Temos de concordar. Pensado para acrobacias, o Drift agiliza a resposta da direção tornando-a mais leve. Funciona bem nas rotundas, com um pouco de areia à mistura é espetacular, mas não se livra de criar uma sensação desconfortável, semelhante à que se sente quando se conduz com excesso de pressão nos pneus.

Elogio da mecânica

Com menos truques eletrónicos na manga e tração exclusivamente dianteira, o Type R apostou no apuro da mecânica. Reviu as ligações ao solo, aperfeiçoando o esquema dianteiro McPherson, com braço inferior em L para reduzir o efeito do binário na direção, e substituindo o eixo traseiro de torção por uma solução multibraço. O amortecimento adaptativo é novidade, com as três programações, Comfort, Sport e +R, a acompanharem os modos de condução. Em nome da agilidade, a via traseira mantém-se mais curta. Agora, a diferença para a dianteira é de apenas 3 mm, contribuindo para tornar o Type R mais interativo.

Elemento central da secção traseira, a tripla saída de escape é a face visível e audível do coração acelerado do desportivo japonês. Revisto e melhorado, o bloco sobrealimentado de dois litros e quatro cilindros da geração anterior mantém as tecnologias VTEC e Dual VTC, ao mesmo tempo que acrescenta 10 cv à potência, somando um total de 320 cv. A caixa manual de seis velocidades tem aquele toque mecânico que só as transmissões japonesas conseguem transmitir e ajuste automático de rotação nas reduções para que o ponta/tacão nunca falhe. Sem falhas, o Type R acelera até aos 100 km/h em 6,8 segundos, mais 1,1 s que o tempo oficial, e ultrapassa os 270 km/h de velocidade máxima.

 

Nem parece turbo

Por oposição ao turbo simples do Honda, o Focus RS utiliza um turbo de dupla entrada e um compressor de maiores dimensões para extrair 350 cv do motor EcoBoost de quatro cilindros e 2.3 litros. O suficiente para se destacar na prova de arranque, que cumpre em cinco segundos, mais 0,3 segundos que o tempo oficial, mas perde em velocidade máxima, ficando ligeiramente abaixo dos 270 km/h. A potência é entregue de forma linear, sem o empurrão caraterístico dos motores turbo nos médios regimes. O que é bom. Gosta de rotação e de trabalhar perto do limite do red line às 6500 rpm, como se de um motor atmosférico se tratasse. É, aliás, entre as 5500 e as 6000 rpm que melhor se controla a aceleração.

Dentro da melhor tradição desportiva Honda, o motor do Type R também tem uma predileção pelos regimes mais elevados. Atrasa a entrega da potência máxima para as 6500 rpm e a entrada no red line para as 7000 rpm. No entanto, apesar da rapidez com que chega ao terço final do taquímetro, não é tão fácil de modular no limite como o Ford. Para compensar, e independentemente de ter menos binário, tem um regime médio mais elástico. Em trada aberta ou autoestrada basta engrenar a sexta velocidade e conduzir como se a caixa fosse automática.

A primeira regra…

Apresentado como um escape à monotonia da vida quotidiana do virar do século, o conceito do Clube de Combate pode facilmente ser adaptado à realidade atual. Temos um Ford Focus e um Honda Civic, com a funcionalidade das cinco portas, a habitabilidade e os cinco lugares caraterísticos de modelos do segmento C. Mas, como no filme, há pormenores que não batem certo e que são mais subtis que o aparato aerodinâmico. Os escapes são ruidosos, em especial no Ford, ainda que a sonoridade seja marcadamente artificial. O conforto dos modos de condução Comfort deixa muito a desejar. Uma realidade particularmente agressiva no Honda. E as direções são excessivamente diretas. Não é defeito, é feitio. Mais evidente no Ford, esta falta de brecagem, que obriga a repensar as manobras em espaço apertado, resulta da afinação desportiva da direção.

As duas primeiras regras do Clube de Combate acabam por fazer sentido, porque não fica bem a pais de família admitir que nas manhãs de domingo vão para uma estrada de serra descarregar o stresse acumulado durante a semana. É o momento de selecionar os modos de condução mais agressivos e esmagar o acelerador. Se calhar os modos de condução mais extremos não, porque tanto o Track como o +R deixam os amortecedores tão firmes que tanto o Focus RS como o Civic Type R acabam por perder eficácia sobre pisos menos que lisos.

 

Equilíbrio quase perfeito

Mais incisiva que a geração anterior, a frente do Civic Type R agarra-se com determinação à linha definida pelo volante, enquanto o autoblocante e o acelerador ajudam a fechar a trajetória. A evolução do chassis permite atrasar as travagens, sem que a entrada em apoio desequilibre a traseira. Há movimento, mas é muito mais controlado e progressivo. A frente segue pelo mesmo caminho, com menos tendência para subvirar nas zonas mais encadeadas. No entanto, é nas curvas longas, desenhadas a alta velocidade, onde melhor se sente o equilíbrio chassis. A Honda diz que o efeito de solo é real e não nos custa a acreditar, tal é a sensação de segurança e controlo no limite que o Civic type R transmite.

Seguro pela tração integral, não se espera um comportamento menos acutilante por parte do Focus RS. Não se atrapalha com travagens tardias, já a entrar pela curva, embora os travões aqueçam mais rapidamente que os do Honda. Falta de sensibilidade e aumento ligeiro das distâncias de travagem, aos quais não serão alheias as constantes solicitações à entrada das curvas. Um toque ligeiro, apenas para posicionar a frente. Depois, a direção direta e o acelerador fazem o resto. A primeira pode voltar ao ponto neutro assim que a traseira roda. O segundo segura o regime entre as 5500 rpm e as 6000 rpm, para manter a deriva às quatro rodas.

Ao contrário do Civic Type R, que tem uma caixa perfeitamente adaptada ao desempenho do motor, o Focus RS tem um escalonamento da segunda e terceira relações que nos parece desajustado. A segunda é demasiado curta e a terceira perde demasiada rotação para ser opção. Nas zonas encadeadas é preferível sacrificar a entrada, mantendo a segunda perto do corte, para ter poder de fogo a seguir à travagem, do que subir para terceira e ficar pendurado nas 3000 rpm.

Não restam dúvidas que o Honda Civic Type R é uma dos melhores remédios para sobreviver à loucura do quotidiano. É rápido, eficiente, bateu o recorde de Nurburgring para a respetiva categoria, não é particularmente caro, nem gasta muito, e mantém a funcionalidade do Civic normal. Ora esse pode ser o maior problema. Se não restam dúvidas quanto à versatilidade, já o mesmo não se pode dizer no que toca à imagem. Tem um aparato aerodinâmico demasiado ostensivo, ainda que funcional, para que a maioria dos condutores o considere uma opção para o carro de família.

Já o Ford Focus RS, que também não é desprovido de um certo aparato aerodinâmico, parece um automóvel normal ao lado do Honda. Tem um toque desportivo suficientemente discreto para não destoar no parque da empresa. Quanto ao que realmente importa, é mais potente e rápido, sem esquecer todo o potencial de diversão do sistema de tração integral e do modo de condução Drift. Também é mais caro, pesado e gasta um pouco mais, mas numa apreciação global é o mais equilibrado. O Civic Type R, apesar de ter passado por uma grande evolução e estar mais adaptado a uma utilização quotidiana, continua a ser essencialmente uma máquina de pista. O que não tem anda de errado, como a legião de fiéis seguidores da sigla Type R muito bem sabe, só que a vida não se resume às manhãs de domingo…

 

Este comparativo foi publicado na revista Turbo 436 de janeiro de 2018