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SEPARADOS À NASCENÇA

Texto: Ricardo Machado / Fotografia: Vasco Estrelado
Data: 13 de Janeiro, 2017

DUAS FORMAS DE SER AMG

O V8 Biturbo engana tanto como o S à frente do C 63 AMG e do GLE 63 AMG. Parecem duas caras para o mesmo motor, mas um tem quatro litros e 510 CV e ou outro 5.5 litros e 585 CV. Venha o piloto e escolha

À saída das instalações da Turbo, em direção a Lisboa, há um túnel. Pequeno. Não chega aos 50 metros. Mas com uma acústica perfeita. Passamos por lá no final de um “daqueles” dias de trabalho. Véspera de feriado, último a sair apaga a luz e entrega a chave ao segurança, a sensação clara de que toda a gente se está a divertir menos nós… até entrarmos no túnel.

Graças à função Last Mode – memoriza durante quatro horas o modo de condução em que foi desligado – o GLE, que tinha andado a fazer medições, estava no modo Sport+. Com a caixa, o motor e o escape no modo mais desportivo, para além da direção e da suspensão, bastou aliviar o acelerador a meio do túnel para uma rajada de explosões transformar o desânimo num enorme sorriso. A mudança de atitude foi instantânea e só não saímos do túnel com o SUV atravessado porque a tração integral permanente, com repartição de binário 40:60, não o permitiu. É este o verdadeiro poder de carros como o Mercedes-AMG C 63 S (C 63 S) ou o Mercedes-AMG GLE 63 S 4Matic Coupe (GLE 63 S).

Mais do que cavalos, euros ou prestígio, o que importa é o prazer que proporcionam a quem os conduz. Infelizmente, quando um SUV pode custar tanto como um pequeno apartamento, não há como fugir à questão financeira. Sem qualquer extra, o GLE 63 S custa 183 200€. Este, com acabamentos AMG em carbono (2200€) ou teto de abrir panorâmico (mais 2200€) chega aos 198 350€. Perante esta ordem de grandeza, cobrar 104 550€ por um C 63 S parece razoável. Mesmo depois de perder a cabeça com opcionais como as jantes AMG de 19’’ (2250€) ou os bancos AMG Performance (2400€), os 131 250€ do C 63 S das imagens não parecem despropositados.

O V8 BITURBO ENGANA

Quando o valor de ISV a pagar por um modelo é o dobro do outro, também não podemos escapar ao tema da potência. Ao contrário do sugerido pelas designações 63 S e pelas inscrições V8 Biturbo nos painéis laterais, o C 63 S e o GLE 63 S não partilham o motor. Designado internamente por M177, o bloco da berlina é praticamente igual ao do AMG GT (M178), com 3982 cc, dois turbos capazes de forçar até 1,2 bar de ar na admissão e apoios de motor dinâmicos. Entre o bloqueio eletrónico do diferencial traseiro e os 510 CV com 700 Nm de binário constantes entre as 1750 e as 4500 rpm encontra-se uma variante da conhecida caixa automática 7G-Tronic onde o conversor de binário foi substituído por duas embraiagens.

Ao lado, o SUV opta por uma solução mais robusta, o M157. Copia a arquitetura e a sobrealimentação, aqui apenas com 1 bar de carga, mas aumenta a capacidade para os 5461 cc. A potência chega aos 585 CV e o planalto dos 760 Nm de binário prolonga-se até às 5250 rpm. A exemplo do V8 mais “pequeno”, a lubrificação é feita por cárter seco, para garantir a máxima eficácia durante as intensas acelerações laterais que ambos são capazes de provocar. A caixa automática 7G-Tronic Plus precisa do conversor de binário para trabalhar com a torrente de força criada pelo bloco de 5.5 litros.

PORQUE SIM!

E quando pensávamos que estávamos livres das preocupações mais mundanas, tivemos de nos render à imagem. Afinal, para que serve um SUV com 585 CV num país onde o limite de velocidade das autoestradas é atingido 6,2 segundos depois de retirar o bilhete na portagem? É um mistério. Nós divertimo-nos a deixar donos de desportivos à beira de ataques de nervos. Não há muitos SUV com mais de duas toneladas capazes de acelerar até aos 100 km/h em 4,7 segundos – mais meio segundo que o valor anunciado.

Os problemas surgem quando nos preparamos para abordar uma curva ao volante de um míssil com 2350 kg e uma altura mínima ao solo de 202 mm. E isto depois do modo Sport ter retirado 15 mm à suspensão pneumática Airmatic e do modo Sport+ ter retirado mais 10 mm. Por muito que a suspensão compense o adornar da carroçaria e as tiras de borracha – 285/40 à frente e 325/35 atrás – que envolvem as jantes de 22’’ se agarrem ao alcatrão, um carro com o centro de gravidade elevado não vai conseguir curvar rápido. Valem os discos de travão perfurados e ventilados, em material compósito, com 390 mm de diâmetro à frente e 345 mm atrás. Aguentam muito, mas têm limites. Quando estes são atingidos, a aproximação às curvas pode assumir contornos alarmantes.

PERTO… MAS NÃO TANTO

Entre o clássico “querem ver…” e outras interjeições irreproduzíveis, disparadas enquanto rails e árvores se mostravam com mais detalhe que o desejado, não pudemos fazer mais do que ver a traseira do C 63 S ganhar distância. A apenas 92 mm do chão e com dimensões bastante mais manobráveis, 4,76 metros de comprimento e 1,43 m de altura, a berlina não exige tanto dos travões. O diâmetro dos discos dianteiros é igual, atrás sobe para 360 mm, mas parecem muito maiores por estarem montados em jantes de 19’’, com pneus 245/35 à frente e 265/35 atrás. Os 1730 kg permitem que cada cavalo carregue 3,4 kg contra os 4 kg do GLE 63 S. Como consequência, o sprint até aos 100 km/h cai para os 4,3 segundos, 0,3 segundos acima do valor oficial.

Apesar de dispensar a maioria do aparato aerodinâmico normalmente associado a desportivos de elite, o C 63 S destacase da restante Classe C por ter uma frente específica. Arrumar o V8 de quatro litros não é fácil, mesmo com os turbos posicionados dentro do V, por isso a secção dianteira foi expandida em 54 mm, enquanto as vias foram alargadas e reforçadas em pontos específicos para resistir à brutalidade das forças lineares e laterais geradas pelo motor e pela suspensão.

FORÇA COM PRECISÃO

Enquanto a potência selvagem do GLE 63 S serve para pouco mais do que andar em frente, e fá-lo de forma espetacular, ninguém fica indiferente à passagem de um SUV cujo escape explode com cada passagem de caixa, a força bruta do C 63 S pode ser domada. Não é fácil porque, mesmo com a eletrónica em Comfort, parece que só sabe andar depressa e muito depressa. Pela nossa parte está ótimo.

O modo mais básico, idêntico ao do GLE 63 S, é o ideal para andar tranquilo. A caixa não estica demasiado as mudanças, o start/stop brinda a assistência com sonoros arranques de motor – como este C 63 S tinha escape desportivo AMG (1300€) o som pode ser estrondoso em qualquer modo, enquanto o escape do SUV só arrepia nos modos mais desportivos – e a caixa deixa o motor em roda livre sempre que se alivia o acelerador.

Nem vale a pena falar em consumos. Estão na ficha técnica. Importa avançar para o modo Sport ou “o modo”. Motor, caixa, suspensão agilizam-se para maior interatividade. A caixa, apesar de mais rápida, continua a ser uma AMG Speedshift MCT 7, por isso reduz quando lhe apetece, mas o resto anda muito perto da perfeição. Motor e suspensão não ficam tão intratáveis como nos modos Sport+ ou Race, este indicado apenas para condução em autódromo, permitindo dosear com maior eficácia a saída das curvas.

É possível combinar os diferentes elementos ao gosto do condutor no modo Individual e, dependendo da confiança, desligar o ESP. Uma opção tentadora, que não deve ser tomada de ânimo leve. Especialmente no modo Sport+, onde a linha entre sair numa deriva controlada ou entregue aos caprichos de 700 Nm de binário à solta no eixo traseiro é mínima. No entanto, a eletrónica está muito bem afinada, limitando-se a criar margem de erro onde esta não existe. Depois de apanhado o jeito é fácil fazer a traseira escorregar e até deixar uns riscos de borracha no asfalto como assinatura. E tudo com o ESP no modo mais desportivo.

AMG DRIVER

Para estreitar a relação entre o C 63 S e a eletrónica pode-se optar pelo pack AMG Driver (950€) que inclui um curso de condução na Academia AMG e, por isso, eleva o limite de velocidade para os 290 km/h. Lá está outra vez a perigosa sensação de euforia que só máquinas como o C 63 S ou o GLE 63 S conseguem provocar. É boa, mas deve ser vivida com moderação para evitar que se transforme numa vertigem com consequências imprevisíveis.

Quando se tem 585 CV às ordens do pé direito é fácil entrar numa curva com um SUV de 2,3 toneladas ao dobro da velocidade recomendada para um pequeno desportivo. Tirá-lo de lá é que é um sarilho. Por isso, o melhor a fazer com o GLE 63 S é utilizá-lo como antidepressivo tomando-o em pequenas doses. Faz maravilhas! Ligeiramente mais racional, o C 63 S é para usar e abusar. Não há muitos desportivos que lhe consigam igualar as credenciais e ainda acrescentar a funcionalidade das quatro portas.