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Por dentro do regresso da Alfa Romeo à F1

Texto: André Bettencourt Rodrigues
Data: 2 de Dezembro, 2017

O momento é de gala e o peso dos convidados (Chase Carey, CEO da Liberty Media, gestora comercial da Fórmula 1; Jean Todt, presidente da FIA e antigo diretor da equipa Ferrari; e Maurizio Arrivabene, atual homem-forte dos destinos da equipa italiana na F1, os nomes mais sonantes entretanto revelados pelos papéis brancos colados nas cadeiras das filas da frente) ilustram-no perfeitamente.

Mas, à boa maneira transalpina, nunca se soube bem quem iria estar presente e a cronologia exata do que iria suceder: apenas que às 11h30 locais de sábado, 2 de dezembro de 2017, Sergio Marchionne, responsável máximo pela FCA Fiat-Chrysler Automobiles, comunicaria oficialmente o regresso da Alfa Romeo à Fórmula 1, mais de 30 anos após a última presença da marca italiana (a derradeira aparição deu-se em 1985) no campeonato automobilístico mais famoso do planeta.

 

 

PRIMEIRO PASSO

O palco escolhido é a antiga sede e fábrica — entretanto transformada em Museu Histórico — situada em Arese, nas redondezas de Milão. Marchionne surge vestido com o seu traje habitual: camisa dentro das calças de tecido e um pullover azul escuro — a marca de um gestor que ganhou o respeito de italianos e norte-americanos desde que assumiu os destinos da Fiat S.p.A., em 2004, recuperando-a financeiramente, e engendrou, em 2009, a fusão com a Chrysler, transformando a companhia num dos gigantes da indústria automóvel.

Desde maio de 2016, é também o responsável máximo pela Ferrari (cargo que acumula com a gestão da Maserati), após ter dispensado os serviços do histórico Luca di Montezemolo numa guerra de poder que ficará na história da marca do Cavallino Rampante — uma das suas (muitas) decisões controversas.

O enclausuramento da Lancia e a consequente aposta no regresso da Alfa Romeo como divisão desportiva premium, posicionada à frente da Fiat e atrás da exclusiva Ferrari, foi outra, ao traduzir-se na morte de uma insígnia com larga tradição na Europa e cujos feitos no Campeonato do Mundo de Ralis, onde conquistou seis títulos de marcas e múltiplos triunfos, ainda ecoam na memória dos adeptos da modalidade.

Ladeado pelo primeiro exemplar do estrategicamente camuflado Alfa Romeo Sauber F1 (e que, no fundo, não mais era do que um monolugar antigo da Sauber revestido com o bordeaux e branco que perfazem as novas cores da equipa), Marchionne focou a importância deste regresso da insígnia ao desporto que a tornou famosa, na qual conquistou os dois primeiros títulos da história do campeonato, em 1950 e 1951, com Giuseppe ‘Nino’ Farina e Juan Manuel Fangio ao volante.

A decisão, explica, “atesta a forma como a FCA e eu próprio acreditam neste desporto, e corresponde ao último passo para a revitalização da Alfa Romeo — um compromisso anunciado, há ano e meio, por ocasião do 105º aniversário da marca”. E essa injeção de energia passa por dar maior exposição ao emblema fundado em 1910, num acordo de patrocínio que abrange não só o nome da equipa, mas também grande parte do espaço por preencher nos monolugares da nova Alfa Romeo Sauber F1, a que se junta o intercâmbio de informação técnica entre os técnicos da Alfa sediados em Turim, juntamente com a Fiat, e o departamento de engenharia que trabalha arduamente em Hinwill, na Suíça, para pôr de pé a até aqui ‘estrangulada financeiramente’ Sauber.

 

LONGO CAMINHO

Engane-se, no entanto, se pensa que este acordo será um regresso aos tempos áureos da Alfa Romeo. Talvez, antes, sinónimo do último envolvimento da empresa na Fórmula 1, onde no regresso oficial iniciado em 1979, após a experiência Brabham como fornecedora de motores, e concluído, sem glória, em 1985, não fez melhor do que um 6º lugar à geral (1983).

Por algum motivo a Sauber terminou no derradeiro lugar do campeonato nos últimos dois anos, sucumbindo à combinação explosiva entre os parcos recursos que pintam o seu dia-a-dia (após a falência da Manor, no final de 2016, passou a ser a estrutura com o orçamento mais curto das atuais equipas que militam na Fórmula 1) e o desnorte, ao nível diretivo, com que tem vindo a ser confrontada nos últimos anos da sua existência (a saída de Peter Sauber e Monisha Kaltenborn em pouco mais de ano e meio, e a entrada, oriundo da Renault, de Fréderic Vasseur, como responsável técnico, a meio de 2017, dois bons exemplos).

E mesmo com o futuro assegurado do ponto de vista comercial (à injeção monetária da Alfa Romeo junta-se o investimento feito, em julho de 2016, pela sociedade de capitais suíça Longbow Finance), o caminho para voltar a se estabelecer no meio do pelotão (e eventualmente nos lugares da frente) será longo. Passar a dispor de motores Ferrari de última geração (e não unidades com um ano de uso, como em 2017) representa, no entanto, uma ajuda preciosa para a concretização desse objetivo:

“Além de uma parceria estratégica e técnica que envolverá a transferência de tecnologia e de técnicos da Alfa Romeo e eventualmente da Ferrari, a Sauber passará a contar com a mesma especificação de motores utilizados pela Scuderia”, confirmou Sergio Marchionne, antes de agradecer os esforços do também italiano e presidente da Sauber, Pascal Picci, na materialização de um acordo obtido em tempo recorde e em ritmo ‘Fórmula 1’, considerando que os primeiros avanços surgiram há “45 dias”, revelou.

Emocionado com o anúncio, até pela forma como os avós lhe incutiram o espírito ‘Alfista’, o dirigente da equipa suíça admitiu que a saúde da Sauber estava, desde logo, assegurada:

“Pelo menos até 2021, sabemos que iremos contar com o apoio da Alfa Romeo, e que essa ajuda garante a nossa manutenção na Fórmula 1, mesmo que, ao contrário do que os média diziam, estivéssemos longe de fechar as portas”, vincou, com determinação.

 

MUITO TALENTO

Tendo transitado da Longbow para chefiar os destinos da Sauber, Pascal Picci é um tecnocrata que sabe, como ninguém, a necessidade de tomar decisões que deixem a paixão de lado com vista à estabilidade comercial das empresas. O seu perfil é semelhante ao de Sergio Marchionne, o que é meio caminho andado para um acordo rápido entre a Alfa Romeo e a Sauber.

Apesar da vontade de Marchionne em promover pilotos da Ferrari Driver’s Academy (Leclerc o primeiro exemplo de alguém ‘tapado’ por Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen, ‘titularíssimos’ no seio da ‘Scuderia’), era importante manter alguém com experiência suficiente para liderar tecnicamente a equipa e, ao mesmo tempo, assegurar os serviços de um piloto que trouxesse dinheiro à Sauber. Precisamente o que acontece com o sueco Marcus Ericsson, apesar de Picci garantir que a sua manutenção nada tem que ver com o investimento realizado pela Longbow (subsidiária da multinacional sueca Tetra Laval), e que confiava plenamente no seu talento — a única razão para se manter ao volante:

“Sempre acreditei no potencial do Marcus e tenho a certeza de que ele irá continuar a provar o seu valor em 2018, liderando tecnicamente a equipa. Sei que os média têm uma opinião distinta acerca da sua reputação, mas acredito piamente que o Marcus é um ativo muito importante da nova Alfa Romeo Sauber F1”.

Um papel que deixa o piloto sueco muitíssimo entusiasmado, à entrada de um ano em que terá ao seu lado o rookie francês Charles Leclerc, membro da Academia de Jovens Pilotos da Ferrari:

“Estou muito contente por continuar com a Sauber pelo quarto ano e assumir o desenvolvimento do carro numa fase tão entusiasmante com a entrada da Alfa Romeo. Sei, no entanto, que o Charles é um piloto rapidíssimo e que me irá colocar à prova, mas espero que possamos trabalhar bem em conjunto para melhorar os destinos da equipa”.

Já Leclerc mostrou-se satisfeito com a oportunidade de se estrear a tempo inteiro na Fórmula 1:

“É fantástico poder ingressar na Fórmula 1 e fazer parte do regresso da Alfa Romeo à modalidade. Neste meu primeiro ano, quero apenas aprender o mais possível, mas não há dúvida de que contar com a nova geração de motores Ferrari deixa-nos mais otimistas e permite-nos enfrentar a época que se avizinha com um entusiasmo redobrado”.

Experiente como poucos, Sergio Marchionne sabe que no mundo da digitalização, onde a informação ganha eco nas redes sociais, a exposição num desporto de massas é valiosíssima para a notoriedade de uma marca. Na Fórmula 1, essa premissa traduz-se em transmissões em direto para mais de 200 países e numa legião de adeptos que ultrapassa os 400 milhões de espectadores.

Apesar do ‘beef’ com Chase Carey sobre o conjunto de regras proposto para 2021 (preveem uma simplificação das complexas unidades motrizes que combinam um V6 atmosférico com um motor elétrico e uma unidade de recuperação de energia, algo que o presidente da FCA Fiat Chrysler considera fundamental para diferenciar tecnologicamente os construtores presentes), Marchionne tem consciência de que não existe um palco maior para promover a renovada Alfa Romeo (em franca expansão com uma gama de modelos revitalizada pela chegada de Giulia e Stelvio) do que a Fórmula 1. Mas não irá remeter-se ao esquecimento (tudo aponta para uma retirada oficial em 2019) sem fazer uso das suas cartas, confirmando, no anúncio de hoje, o interesse da Ferrari e da Alfa Romeo na Fórmula E, e admitindo, em jeito de brincadeira, que o seu poder negocial ‘dobrou’ com a nova associação entre a Alfa e a Sauber, podendo mesmo ‘bater com a porta’, no final de 2020, caso o novo regulamento não o agrade.

“Se não houver diferenciação tecnológica, a Ferrari — e a Alfa Romeo — irão escolher as plataformas que melhor as representem desportivamente. Na minha opinião, a competição não faz sentido se associada a uma fórmula em que todos são iguais”, assegurou.

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