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O avô do Carro do Ano

Texto: Júlio Santos
Data: 18 de Março, 2017

Por ocasião da eleição do Peugeot 3008 como Carro do Ano, um dos temas abordados na nova Revista Turbo 427, recordamos aqui a nova visita ao Museu dedicado à marca do leão que está situado em Sochaux.

 

Espartilhos, utensílios de cozinha, rádios, máquinas de lavar roupa, moinhos de café, saleiros e pimenteiros, motores de avião, bicicletas, motos, automóveis – tudo aquilo que, pelo tempo fora, fez parte da vida moderna foi sendo possível encontrar no portefólio de produtos com a marca Peugeot. São quase dois séculos de uma história ímpar, fielmente reproduzidos no museu da marca, em Sochaux que, com toda a propriedade, recebe a designação “Museu da Aventura Peugeot”.

Texto Júlio Santos em Sochaux

Se está nos seus planos uma viagem à região de Moulhouse (a cerca de 500 km de Paris), mesmo que não seja um apaixonado pelos automóveis não deixe de prever uma manhã (pelo menos) para descobrir a história fantástica de uma família que esteve sempre muito à frente no seu tempo, propondo soluções que revolucionaram as respetivas épocas.

Em meados do séc. XVIII, por exemplo, o nome Peugeot já surgia ligado ao negócio alimentar para, no início do séc. XIX, quase dominar a produção de espartilhos para as senhoras. Muito antes de vencer por quatro vezes o Paris-Dakar, as 24 Horas de Le Mans ou de inventar o filtro de partículas para reduzir drasticamente a emissão de gases poluentes nos motores diesel, a designação Peugeot assina, na verdade, uma trajetória fascinante que tem início em 1832, com a fundação da Sociedade Irmãos Peugeot (Jean-Pierre II e Jean-Frédéric)- Jacques Mailard-Salins que começou por dar continuidade ao pequeno negócio de fundição para, de seguida, se especializar na produção de moinhos de café e de outros utensílios de casa. Os ventos sopram de feição e o nome Peugeot projeta-se de forma rápida e astuta assumindo uma posição de domínio quase total em todas as áreas em que opera, caraterísticas que determinam a escolha do Leão como símbolo da marca.

Aos utensílios para a casa segue-se em 1882 a produção da primeira bicicleta, cuja popularidade na Europa não pára de crescer, para em 1898 ser a vez das motos. Provavelmente não será pela ligação ao mundo das duas rodas que conhecerá a marca Peugeot mas a verdade é que as bicicletas Peugeot venceram a Volta a França em bicicleta, enquanto nas motos assinaram diversos recordes do Mundo de velocidade.

DE FRANÇA PARA O MUNDO

“Estou convicto de que a locomoção automóvel terá um enorme desenvolvimento. Se formos hábeis e capazes, faremos da Peugeot um dos maiores negócios em França”. A frase de Armand Peugeot, proferida em Janeiro de 1852 e reproduzida numa das paredes do Museu serve, sobretudo, para testemunhar toda a sagacidade do fundador da marca. Uma única imprecisão: a Peugeot é, sem dúvida, um símbolo e um “player” de referência a nível mundial.

Para que isso se tenha tornado uma realidade os automóveis desempenharam um papel primordial. A “aventura” começa em 1889 com o Serpollet-Peugeot revelado na Exposição Universal que teve lugar em Paris e que é o resultado da associação entre Armand Peugeot e o especialista em máquinas a vapor, Léon Serpollet.

Apesar do interesse despertado, Peugeot depressa põe de parte a locomoção a vapor e logo no ano seguinte apresenta um veículo de quatro rodas (Type2), equipado com um motor Daimler a gasolina. Ainda antes do final do século, Edouard Michelin aproveita a lendária corrida Paris-Bordéus-Paris para, pela primeira vez, montar pneus em borracha num automóvel (Peugeot Type 13) e em 1896 é fundada a Sociedade Automóveis Peugeot. Em 1901, com uma produção anual de 500 unidades, a Peugeot apresenta o Type 36, o primeiro modelo da marca dotado de capot e de direção com um volante. O Salão de Paris serve de palco para a estreia do primeiro motor de quatro cilindros da marca francesa e é também aí que, em 1912, é revelado o Type BP1 que adota a designação Bébé, concebido por Ettore Bugatti.

Apesar da Primeira Grande Guerra, tal como o seu fundador tinha previsto, a Peugeot ocupa um lugar de primeiro plano no tecido empresarial francês e (já) europeu, algo que se torna ainda mais claro em 1928, ano em que arrancam as obras de construção da fábrica de Sochaux. Este é também o ano em que é montado pela primeira vez um motor diesel num Peugeot para em 1929 se escrever outro marco histórico: o lançamento do 201, no Salão de Paris. Trata-se do primeiro automóvel do mundo com rodas dianteiras independentes mas não é esse facto, nem o enorme sucesso motivado por esta inovação e pelas caraterísticas de economia que fazem do 201 um modelo emblemático. A razão principal tem a ver com a estreia da designação numérica, com um “0” ao centro (algo que ainda hoje perdura). A opção pareceu bizarra mas tem uma explicação simples. Já na altura o nome do modelo surgia na traseira em posição central. Ora era aí, também, que estava alojado o dispositivo de arranque e os estilistas da Peugeot necessitavam de encontrar uma forma de identificar claramente o local onde a manivela (que assegurava aquela função) deveria ser inserida. E nada melhor do que o “0”, ao estilo de um alvo.

Daqui e até ao início da Segunda Grande Guerra a Peugeot vive em plena afirmação, lançando diversos modelos que ficam para a história do automóvel, como é o caso do 401 Eclipse, o primeiro automóvel de tejadilho metálico amovível, revelado em 1934.

INOVAÇÃO PERMANENTE

Apesar de alguns percalços – o principal dos quais foi o cancelamento da produção de motores para a indústria aeronáutica – a Primeira Grande Guerra não abalou de maneira significativa a caminhada da Peugeot e prova disso é o lançamento, em 1941, do VLV, uma viatura elétrica. A inovação, como se vê, fez sempre arte do léxico da Peugeot e mais uma prova seria dada em 1948 com a apresentação do 203 que teve a particularidade de ser o primeiro modelo de grande série a aderir à construção monocoque, técnica até então reservada aos veículos de grande luxo. Ao enorme êxito do 203 sucede o 403 que dá inicio a uma longa e frutuosa colaboração com os estúdios de Pininfarina. É o primeiro modelo da marca a alcançar um milhão de unidades vendidas. Depois do 403, em 1959, assumir-se como o primeiro modelo de grande produção a receber um motor diesel, em 1965 é lançado o 204, de tração dianteira e suspensão independente às quatro rodas. Nesse ano, um protótipo 404 monolugar equipado com um motor diesel bate um total de 40 recordes de velocidade no circuito de Monthlery e a fechar a década são lançados diversos coupés e cabriolets, com destaque para o 504 Cabriolet, um dos carros abertos mais sofisticados ao tempo. Quanto aos anos 70 do século passado são celebrados com a produção da unidade 10 milhões (em 1976) e no plano tecnológico com a chegada do 604 que assume o estatuto de primeira berlina topo de gama europeia a dispor de um motor turbodiesel.

LEGADO DESPORTIVO

A década de 80 é de ouro para a Peugeot, merecendo realce especial o lançamento do 205, em fevereiro de 1983. É, provavelmente, o modelo de maior sucesso da marca francesa nos tempos modernos e um dos que mais contribuiu para a projeção do Leão. Às qualidades para uma utilização quotidiana soma um palmarés desportivo invejável e que muitos ainda hoje tentam igualar.

O 205 GTi assume-se como a referência entre os pequenos desportivos enquanto o 205 T16 passeia uma enorme superioridade pelo Mundial de Ralis (que vence por duas vezes) e pelas pistas do Paris-Dakar. É, ainda, a década em que sai da linha de montagem a unidade 20 milhões (em 1988) e em que é lançado o 405 que dá continuidade ao legado desportivo (e não só) com vitórias sucessivas no Dakar e em Pikes Peak (EUA).

Ainda antes do final do milénio, destaque para a primeira vitória nas 24 horas de Le Mans, em 1993, a que se segue, no ano seguinte, a entrada da Peugeot na Formula 1. Nesse mesmo ano (1994) fruto de uma parceria com Fiat e a Citroën, é lançado o monovolume 806, para apenas dois anos depois sair da linha de montagem a viatura 30 milhões. O sucesso nas vendas prossegue, bem como os triunfos nas provas mais carismáticas a nível mundial, agora com o 206 que era, também, o automóvel mais vendido na Europa.

O novo milénio revela-nos inúmeros modelos que hão-de ficar para a história desta indústria (207 CC, 407 SW, 107, 1007…) e que testemunham a visão premonitória do fundador da marca: “faremos da Peugeot um dos maiores negócios em França”.